Resumo: Artigo 36331
Resgatar a vida: proposições e agenciamentos dos medicamentos antidepressivos (36, 38, 46, 50)
Patrick Rezende, Universidade Federal de Minas Gerais, Brazil.
Apresentação: Friday, May 30, 2008 1:15PM - 3:15PM sala 213 - UNIRIO VII ESOCITE - Sessão 7 - Chair: Diana Obregon
Abstract.
Pode-se afirmar, sem exageros, que a depressão está na ordem do dia. Milhares de livros e artigos (sejam acadêmicos ou veiculados na mass media) abordam o tema, sob a ótica de áreas de saber as mais diversas (que vão desde a psiquiatria à auto-ajuda) com suas respectivas proposições de cura. O estudo aqui apresentado se propõe a acompanhar etnograficamente os usos e efeitos de uma das mais populares e controversas dessas proposições, a saber, aquela promovida pelos (e, num certo sentido, promotora dos) saberes médicos: os remédios antidepressivos. Esta opção não se faz por acaso. O Brasil encontra-se, atualmente, entre os dez maiores consumidores de medicamentos no mundo e, acompanhando uma tendência geral, registra-se aqui um aumento crescente na venda de medicamentos antidepressivos: de 2000 a 2003, um aumento de 11% (16,8 milhões de comprimidos consumidos), período em que as vendas de outros medicamentos, contra hipertensão, parasitas e doenças reumáticas, por exemplo, caíram. Mas, dizer que um número cada vez maior de pessoas sofre de depressão não é dizer muita coisa sobre essas pessoas; e não é, principalmente, dizer que sofrem da mesma maneira. A depressão é uma doença recente. Tratada por alguns especialistas como a epidemia dos nossos tempos, o termo (tomado de empréstimo das áreas geográfica e econômica) passa a designar também, a partir da década de 50 do séc. passado, uma variedade de distúrbios comportamentais relacionados ao déficit de humor; antes atribuídos a diversas patologias. A aparente homogeneização desses distúrbios em torno do conceito de depressão, ou seja, sua propagação bem sucedida enquanto categoria privilegiada para designar os sofrimentos do homem contemporâneo, deve-se principalmente ao desenvolvimento, pela indústria farmacológica, dos medicamentos antidepressivos. Em outras palavras, se a depressão é mesmo uma epidemia, os medicamentos antidepressivos são seu principal vetor. Pois foi partindo para o infinitesimal a invenção/descoberta de estruturas e substâncias cerebrais que agem diretamente sobre os estados humorais; bem como o desenvolvimento de novos agentes (os remédios) capazes de afetar o funcionamento destas estruturas; e, consequentemente, a aptidão performática daqueles que delas fazem uso que a psiquiatria moderna pôde tratar como sintomáticos certos conjuntos de comportamentos/sentimentos (ansiedade, falta de disposição, pensamentos negativos, tristeza, etc.) que, a priori, podem estar relacionados a causas as mais diversas, patológicas ou não. Se por um lado a criação desses medicamentos foi essencial para a estabilização da psiquiatria enquanto um ramo da medicina alopática, a falta de precisão conceitual em torno dos chamados distúrbios de humor fornece um lastro para a crescente circulação dos antidepressivos em áreas outras, como ginecologia, endocrinologia, nutrição, geriatria, cardiologia, e mesmo clínica geral; associados às suas respectivas terapêuticas tradicionais. Prescritas por profissionais de diferentes áreas, as mesmas substâncias agem de maneiras distintas ao longo de sua relação com médicos e pacientes, desde o momento do diagnóstico até o término do tratamento (por exemplo, a fluoxetina prescrita por ginecologistas para amenizar os efeitos da TPM, não cria os mesmos vínculos que o Prozac® usado no tratamento da depressão, embora as características e efeitos descritos em suas bulas sejam os mesmos). Assim, o presente trabalho pretende explicitar, a partir de acompanhamento junto a médicos e pacientes da região metropolitana de Belo Horizonte, os diferentes agenciamentos, inter e intra-corporais, nos quais estes actantes não-humanos tomam parte, para além apenas das descrições e prescrições contidas em suas bulas.