Resumo: Artigo 36273
Conhecimento compartilhado e tecnologias societárias em redes de ONGs e movimentos sociais: o papel dos contra-especialistas (4, 6, 57, 86, 102, 115)
Sonia Aguiar, Universidade Federal Fluminense, Brazil.
Apresentação: Thursday, May 29, 2008 1:15PM - 1:45PM sala 211 - UNIRIO VII ESOCITE - Sessão 5 - Chair: Márcia Teixeira
Abstract.
Este artigo tem como objetivo investigar e qualificar o papel dos especialistas acadêmicos e não-acadêmicos que utilizam seus conhecimentos e competências no âmbito das lutas socioambientais, ecopolíticas, sociopolíticas e socioeconômicas promovidas pelas redes de ONGs e movimentos sociais brasileiras que atuam nas esferas local, regional, nacional e internacional. Ao promoverem diálogos entre o conhecimento de diferentes disciplinas e os saberes tradicionais, os saberes locais e os saberes adquiridos no próprio ativismo, esses profissionais constituem-se como contra-especialistas das redes sociais no processo de enfrentamento das instâncias de poder do Estado e do capital, que buscam reger as relações com o meio ambiente natural e o meio ambiente construído. Ao mesmo tempo, participam do processo de construção de um modus operandi próprio dessas redes, tanto em suas intervenções em arenas de disputa, quanto nas relações transversais que estabelecem. O artigo questiona se os produtos dessas interações de conhecimento, saberes e ações coletivas podem ser enquadrados entre as chamadas tecnologias societárias (socital technology). Expressões como counter-expertise e expert accountability começaram a ser utilizadas em meados dos anos 1970, nos Estados Unidos, para designar os cientistas e técnicos que assumem responsabilidades com os movimentos comunitários e grupos de cidadãos, utilizando seus conhecimentos especializados e competências técnicas em favor das demandas sociais, e em questões de controvérsias políticas envolvendo a aplicação de determinadas tecnologias ou procedimentos científicos. Mais recentemente, estudos empíricos, sobretudo europeus, referem-se a termos como citizen science, civic expert, independente scientist, expertise envirennomentale, entre outros, para caracterizar uma nova atitude de parte da comunidade científica diante do interesse público da ciência, e uma nova relação da ciência com as questões societárias e sociopolíticas. A emergência de cientistas cidadãos e de contra-especialistas da sociedade civil está diretamente (mas não exclusivamente) relacionada às incertezas científicas e sociais de campos controversos do conhecimento, como a energia nuclear, a engenharia genética e as biotecnologias agrícolas, que vêm sendo submetidos a intensos debates no contexto internacional provocados, sobretudo, pelas perguntas para as quais a comunidade científica ainda não tem respostas precisas e confiáveis. O enfraquecimento da crença na neutralidade científica vem sendo seguido pela defesa de uma ciência independente dos interesses do Estado e do mercado, sobretudo das grandes corporações que atuam globalmente. Nesse contexto, o que aparece em jogo é um confronto de conhecimentos construídos sob referências de mundo diferentes e cuja legitimação depende de escolhas políticas e/ou econômicas, e não meramente técnicas ou científicas: um confronto entre os especialistas do establishment e os contra-especialistas. No Brasil, as discussões sobre uma ciência de interesse público ou sobre o interesse público da ciência ainda são incipientes, e geralmente referenciadas pelo papel do Estado na formulação de políticas científicas e tecnológicas, ou pelas controvérsias em torno das parcerias de instituições públicas com empresas para financiamento a pesquisas. Mas a exigência de um novo sentido para a relação ciência-sociedade aparece claramente no trato da questão ambiental, na medida em que as lutas ecopolíticas não podem prescindir de argumentos com alguma base tecnocientífica. Nas redes ambientalistas, os ativistas lidam tanto com questões teóricas de fronteira das ciências ambientais quanto com desafios políticos e sociais cotidianos, o que os obriga a construir uma competência própria, diferenciada de seus interlocutores acadêmicos, governamentais, empresariais e multilaterais, na qual a autoridade da ciência é sempre submetida a avaliação. São, por isso, terreno privilegiado para observação do papel dos contra-especialistas brasileiros