Resumo: Artigo 36197
Medicina tropical e ciência nacional: Carlos Chagas e a descoberta da doença do Brasil (87, 93, 97, 100, 116)
Simone Kropf, Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, Brazil.
Apresentação: Wednesday, May 29, 2008 3:45PM - 5:45PM sala 202 - UNIRIO VII ESOCITE - Sessão 43 - Chair: Hebe Vessuri
Abstract.
Sob a perspectiva teórica que considera as descobertas científicas eventos socialmente circunscritos e legitimados, o objetivo é analisar as condições teóricas, institucionais e sociais que propiciaram a descoberta da doença de Chagas, realizada Carlos Chagas (pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz-IOC) em 1909, e os sentidos que lhe foram conferidos como grande feito da ciência brasileira. A identificação de uma nova doença parasitária (logo depois da descrição, também por Chagas, de seu vetor e seu agente causal) se deu num contexto marcado pela afirmação e institucionalização da chamada medicina científica ou de laboratório, mais especificamente, das novas teorias médicas da microbiologia e da medicina tropical. Em referência a este processo, procura-se identificar os recursos teóricos e a visão a respeito da ciência que nortearam Chagas em seus primeiros trabalhos como pesquisador (dedicados ao estudo e à profilaxia da malária), e que foram determinantes tanto para a descoberta que o consagraria, quanto para a produção dos conhecimentos sobre a nova doença, que, segundo ele, constituía um dos principais flagelos sanitários do país, a comprometer a capacidade produtiva das populações rurais e, conseqüentemente, o progresso nacional. Busca-se situar a descoberta no contexto de institucionalização da ciência brasileira, apontando a centralidade que assumiu no processo de construção e consolidação do IOC como centro de pesquisa em medicina tropical voltado para os problemas sanitários nacionais. Considerada a maior das glórias de Manguinhos, a descoberta da doença de Chagas, ao mesmo tempo em que se viabilizou graças a este processo de institucionalização, veio reforçá-lo de modo particular, servindo de emblema para uma instituição que afirmava sua legitimidade pública não apenas pela capacidade de responder a demandas sociais, mas pela excelência acadêmica que a permitia descortinar novos problemas considerados de relevância para a sociedade e apontar os meios para sua solução. O caminho de construção/legitimação desta enfermidade que articulou ciência, saúde pública e modernização no Brasil da Primeira República constitui um objeto particularmente fértil para a reflexão sobre as distintas dimensões da relação entre ciência e sociedade, em contextos históricos particulares. Sua configuração como nova enfermidade tropical, endemia rural e doença do Brasil, no sentido geográfico e simbólico (enquanto emblema dos problemas do país e da ciência que os identificava e enfrentava) faz deste um caso especialmente revelador de como os cientistas brasileiros se referenciavam aos esquemas teóricos produzidos nos centros europeus, não somente mediante uma ativa contribuição ao movimento de produção e afirmação destes esquemas, mas, sobretudo, imprimindo-lhes significados peculiares referentes aos contextos locais da ciência e da nação.