Resumo: Artigo 36144
O biscateiro flutuante: a saga de um inventivo, pobre e isolado construtor de artefatos na cidade do Rio de Janeiro (9, 13, 26, 100, 115, 117)
Luiz Arthur Faria, Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, BrazilPaulo Feitosa, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brazil.
Apresentação: Friday, May 30, 2008 3:45PM - 5:45PM sala 202 - UNIRIO VII ESOCITE - Sessão 28 - Chair: Luiz Soares
Abstract.
Manhã de sol no Rio de Janeiro. A brisa vem chegando mansamente, como se pedisse licença. Os reflexos nas águas pintam figuras inusitadas, mistura de cores digna de cartão postal. Carros se apressam no asfalto quente, fervente. Mas a brisa traz um odor que bem poderia ser melhor... Restos, madeiras, sacos plásticos, garrafas PET, carrocerias do que já foram carros, lixo cobrindo as margens do mangue poluído e moribundo. Pouco abaixo do viaduto de uma das mais importantes vias expressas da cidade do Rio de Janeiro, a Linha Vermelha, no meio da lama fétida do poluído Canal do Cunha, flutua despeitada a casa de Luiz Fernando Barreto de Queiroz Bispo, feita de rejeitos reciclados, de frente para a favela da Maré (comunidade periférica do Rio de Janeiro) e fundos para a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O presente artigo, através da história da construção desta casa flutuante em um canal poluído que faz divisa entre uma das mais importantes universidades brasileiras e uma grande favela, propõe reflexões acerca da interação (ou sua falta) entre universidades brasileiras e populações vizinhas, em especial aquelas ditas marginalizadas. Fazendo analogias entre o estudo das redes tecnocientíficas na visão dos Estudos de Ciência e Tecnologia (Science and Technology Studies) e o caso brasileiro, onde milhões vivem apartados do que aqui chamamos redes formais, pode-se tentar esboçar caminhos para que a população excluída se faça presente e inclua variáveis nas equações que regem os processos formais de nossa sociedade. Nesse sentido, o caso em estudo aponta para uma valorização da inventividade brasileira - transformadora, indisciplinada - enquanto ferramenta para que "os ''de fora'' entrem. Com o auxílio de Bruno Latour (1998) e seu conceito de isolamento (dos cientistas que não conseguem imbricar-se nas redes que constroem e sustentam fatos e artefatos), poderia-se arriscar, em um primeiro olhar, que o construtor da casa flutuante da Maré, Luiz Bispo, é o isolado das redes formais, aqui consideradas espaços, entidades e processos legalmente estabelecidos nos âmbitos científico, econômico, empresarial e governamental. Tanto no caso das redes tecnocientíficas analisadas por Latour quanto no de Luiz, a situação de isolamento é fruto do não enredamento, como nos mostram exemplos de outras casas flutuantes ao redor do mundo. No caso carioca, uma desconfiança mútua parece dar o tom predominante: Luiz Bispo não acredita que sua esperança de vencer a exclusão possa vir das instituições formais de nossa sociedade, enquanto estas parecem indiferentes ou até temerosas quanto aos flutuantes e periféricos inventos de Luiz - para elas, o artefato da Maré infringe a legislação e não se traduz em uma alternativa de moradia. Para ganhar crédito, Luiz reinventa a esperança depositando fé em suas artes, em sua criatividade, qualidade atribuída de forma recorrente ao povo brasileiro e, possivelmente, oriunda do desejo de transformação renovadora que constitui, talvez, a característica mais remarcável dos povos novos, e, entre eles, os brasileiros (RIBEIRO, 1995). Entretanto, embora o biscateiro flutuante pareça totalmente isolado, sua história e sua casa mostram, paradoxalmente, uma tentativa de enredamento de fora para dentro, das redes formais, utilizando a inventividade como ferramenta. Uma periferia, a priori, desarticulada das redes formais neste caso não apenas redes tecnocientíficas busca reconhecimento, foco, holofotes e enredamento com os de dentro a sociedade, seus processos e instituições formais. LATOUR, Bruno, 2000 [1998]. Ciência em Ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora.Trad. Ivone C. Benetti, rev. Jesus de Paula Assis. São Paulo: Editora UNESP. RIBEIRO, Darcy, 1995. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras.