Resumo: Artigo 35972
Pajés, Etnofarmácia e Direitos Tortuosos - O Caso Krahô/UNIFESP (29, 38, 92, 57, 94, 104)
John Kleba, Instituto Tecnológico de Aeronáutica, Brazil.
Apresentação: Wednesday, May 29, 2008 3:45PM - 5:45PM sala 205 - UNIRIO VII ESOCITE - Sessão 31 - Chair: Maria Costa
Abstract.
Este artigo problematiza novos direitos que regulam o acesso da moderna pesquisa farmacológica a recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais (CT) médicos associados. As controvérsias aqui tratadas envolvem os direitos de propriedade intelectual sobre conhecimentos especializados a partir de um pluralismo médico, xamânico e científico, processos de legitimação e barganha, mediações simbólicas, bem como a construção social de expectativas ético-políticas de fairness. Selecionou-se um exemplo paradigmático, de repercussão na opinião pública: a pesquisa farmacológica no caso Krahô/UNIFESP. O enfoque é transdisciplinar. Os protagonistas são cientistas, pajés (xamãs), conselhos governamentais, procuradores da república, organizações não-governamentais (ONG), empresas e a mídia. Em 1999 membros do reputado Departamento de Psicobiologia da UNIFESP iniciavam uma pesquisa sobre os conhecimentos farmacológicos dos pajés Krahô, visando transformá-los em medicamentos para o mercado global. O objeto se concentrou em fitoterápicos de ação sobre o sistema nervoso central nas práticas rituais dos pajés Krahô, povo situado em reserva indígena, no Tocantins, Brasil. A riqueza dos dados fornecidos pelos pajés surpreende pelo número de receitas médicas, envolvendo centenas de espécimes vegetais do Cerrado, a maioria desconhecida na fitofarmácia científica (RODRIGUES, 2002). Reconstruindo o caso, muitas questões ricas permanecem não trabalhadas. Porque as chances de um processo win-win-win (índios, pesquisadores, empresas) foram frustradas, se o desejo de sucesso estava presente em todos as partes? Qual foi o papel da nova legislação de acesso aos recursos genéticos (SANTILLI)? Como se deu a construção de demandas (FINNEMORE)? Que condicionantes de legitimidade (WEBER) e formas de barganha (JOHN) foram constituídas? Nos ateremos a três impasses cruciais. A primeira questão refere-se à impossibilidade antropológica de delimitar, no mundo empírico, a pertença do conhecimento tradicional. A equipe da UNIFESP parecia haver tomado todos os cuidados com relação à concordância prévia dos Krahô, firmando contratos e adquirindo autorizações administrativas. Entretanto, em 2002 eclodiu um evento inesperado, formalizado em uma Carta Aberta do Povo Krahô. Esta tece acusações à Universidade, bem como exige indenização milionária. O contrato de pesquisa havia sido restrito a três aldeias, por necessidades práticas (RODRIGUES, 2002). Não se percebeu que uma reivindicação ético-legal de inclusão das demais aldeias, poderia levar a um impasse de repercussões sem precedentes. O conflito é paradigmático. Demonstra-se que a propriedade coletiva é uma teia complexa (OSTROM), os saberes dos pajés são em parte individuais, em parte vinculados à linhagem familiar, e em parte conectados a etnias adjacentes, exterior aos Krahô. O ideal da legislação da matéria de harmonizar interesses, colide com uma contradição estrutural entre ideais ético-políticos, de consulta e participação ampla e definição livre de dúvida da pertença de um CT, frente a necessidades da pesquisa de simplificar, para não inviabilizar o processo. A segunda questão põe em cheque a dificuldade de fixar valores para o acesso da pesquisa aos CT. As negociações intensivas acabaram por fracassar, devido aos dissensos sobre valores e obrigações. A obrigação legal de repartição de benefícios não deixa claro quanto e o que deve ser retribuído, de forma que fairness passa a ser um objeto de negociação e contestação. Problemático é o papel de mediação dos assessores indígenas, ONGs e advogados, na construção de expectativas. Também a carência de reflexividade (BECK) no ethos de pesquisa, transpondo as expectativas de benefícios à esfera da fortuna, do patenteamento incerto de bioativos e de sua aptidão para o mercado. No impasse, a Universidade discordou da demanda indígena, em financiar um projeto de revitalização da medicina tradicional Krahô. Analisam-se aqui problemas de etnocentrismo da ciência, e de pluralismo epistemológico e médico, entre os modos xamânico e ocidental. Detecta-se uma contradição ética, de utilizar os conhecimentos indígenas via academia e direitos de propriedade intelectual, mas não reconhecer-se direitos de auto-determinação política condizentes ao uso legítimo de suas práticas rituais de cura. (bibliografia parcial suprimida devido a limite de caracteres)