Resumo: Artigo 35913
Repartição de Benefícios em Pesquisa: Um Olhar a Partir dos Projetos de Bioprospecção (29,57,92)
Camila Dias, Maria Costa, Unicamp, Brazil.
Apresentação: Friday, May 30, 2008 1:15PM - 3:15PM sala 202 - UNIRIO VII ESOCITE - Sessão 26 - Chair: John Kleba
Abstract.
Este artigo tem por objetivo apresentar as controvérsias relativas à repartição de benefícios em um tipo particular de pesquisa: a biotecnologia aplicada à bioprospecção. Nos últimos quinze anos, o princípio da repartição de benefícios têm ganhado terreno em áreas proeminentes da pesquisa científica e do desenvolvimento tecnológico, a exemplo da prospecção farmacêutica, pesquisa médica e engenharia genética. Em linhas gerais, parte-se do princípio de que é preciso consultar o público afetado e comunicá-lo de forma transparente sobre as finalidades e usos pretendidos de uma pesquisa e também compartilhar eqüitativamente os retornos obtidos desta pesquisa monetários ou não - entre um conjunto de atores sociais ou partes interessadas. No âmbito das relações ciência, tecnologia e sociedade, as discussões a respeito da participação pública remetem ao reconhecimento do caráter socialmente construído do conhecimento e à crítica da imagem de uma ciência neutra e afastada do mundo. A participação pública tem sido referenciada como um mecanismo de controle social ou de democratização da ciência, de promoção de uma ciência vinculada a princípios éticos, passando pelo questionamento da expertise científica para avaliação dos riscos associados às aplicações tecnológicas e pelo reconhecimento do papel desempenhado pelos ditos saberes não-científicos. As discussões a respeito da natureza jurídica e do potencial de inclusão das metodologias participativas tem ocorrido de forma bastante elaborada no domínio da biotecnologia, e, mais especificamente, da bioprospecção. Em termos simples, a bioprospecção corresponde a um rótulo novo para uma prática antiga: a identificação e avaliação de material biológico encontrado na natureza para a obtenção de novos produtos ou processos. Nesta arena, a noção de repartição de benefícios foi institucionalizada como princípio multilateral necessário ao desenvolvimento sustentável da biodiversidade, através da Convenção da Diversidade Biológica - CDB, publicada em 1992. Os chamados recursos da biodiversidade passaram a ser considerados objeto da soberania dos Estados Nacionais - países em desenvolvimento, em sua maioria - e não mais um patrimônio comum da humanidade. O acesso aos recursos genéticos está condicionado ao assentimento prévio e fundamentado de seus detentores e à prévia negociação dos termos de compensação e repartição de benefícios potenciais gerados pela pesquisa entre os atores envolvidos. De par com as experiências em curso na aplicação deste princípio, apresentam-se as seguintes questões: a que modalidades de direitos corresponde, exatamente, a repartição de benefícios? Quem pode regular e garantir a sua aplicação? Sob quais critérios e em que circunstâncias este princípio pode ser posto em prática? No âmbito específico da cooperação norte-sul em bioprospecção, cabe perguntar-nos: quais são as relações entre repartição de benefícios, participação e desenvolvimento? Como se dá efetivamente a prática da repartição de benefícios nestes projetos? Quais os seus limites (legais, culturais, políticos, econômicos)? Quais os riscos potenciais de manipulação e de mistificação deste princípio? A fim de debater estas questões, este artigo estrutura-se como se segue. Além da introdução, é composto de mais três seções. A seção 2 trata das características da prática bioprospectiva e de como esta se relaciona com o princípio da repartição de benefícios. A seção 3 apresenta as controvérsias relacionadas à aplicação deste princípio em projetos de bioprospecção. Argumenta-se que estes conflitos manifestam-se em três dimensões interrelacionadas: a regulação dos direitos de propriedade intelectual (um conflito regulatório); a organização e os sistemas de representação dos interesses das comunidades indígenas (um conflito de legitimação) e o debate sobre as fronteiras entre natureza e cultura e os limites da proteção ao conhecimento (um conflito epistemológico). Finalmente, na seção 4 apresentam-se as visões de futuro presentes na literatura sobre a repartição de benefícios e a prática bioprospectiva, bem como sugerem-se questões para próximas investigações nestas áreas.