Resumo: Artigo 35888
Sobre derivas de conhecer com um grupo de deficientes visuais (89, 93, 102, 108, 112, 115)
Marcia Moraes, Universidade Federal Fluminense, Brazil.
Apresentação: Friday, May 30, 2008 1:15PM - 3:15PM sala 210 - UNIRIO VII ESOCITE - Sessão 55 - Chair: Debatedor a Confirmar
Abstract.
A antropologia simétrica proposta por Latour e outros autores é por nós utilizada como ferramenta nas intervenções que realizamos com um grupo de jovens deficientes visuais regularmente matriculados na escola do Instituto Benjamin Constant, uma instituição situada no Rio de Janeiro, centro de referência nacional no que diz respeito às ações voltadas para a pessoa com deficiência visual. Nosso trabalho com os deficientes visuais visa investigar os modos de conhecer sem o ver. A cognição tem sido investigada por diferentes versões de psicologia que, no entanto, articulam-se em torno dos seguintes eixos: a) o predomínio do ver origem do conhecer, b) a utilização do método experimental e do enfoque comparativo, isto é, aquele que investiga a cegueira em comparação com a vidência. Neste último caso, abre-se uma linha de pesquisa que acaba por considerar a cegueira como um déficit. Seguindo algumas contribuições da antropologia simétrica nossa pesquisa orienta-se numa direção teórico-prática afastada dos eixos acima . Nosso objetivo é investigar o conhecer sem o ver buscando unidades de medida imanentes ao grupo pesquisado, isto é, perguntamos de que modo aquele grupo de jovens - com suas singularidades - constrói o conhecimento sobre si e sobre o mundo. Nosso desafio tem sido o de intervir no grupo, situando nossa intervenção entre o ver e o não ver. Perguntamos: que dispositivos podemos engendrar para produzir efeitos cognitivos entre jovens deficientes visuais? Como intervir naquele grupo sem partir dos referenciais videntes? Consideramos a cognição como um efeito de conexões entre atores heterogêneos. Cognição coletiva e híbrida que articula humanos e não humanos, que implica em afetar e ser afetado por elementos tão díspares quanto um elástico, um papel, um colega. O trabalho de campo consiste em criar dispositivos que coloquem em cena tais conexões. A noção de dispositivo, proposta por Despret define-se como aquilo que oferece a oportunidade de existência para um fenômeno. O trabalho de campo define-se como um dispositivo que engendra efeitos cognitivos novos, sendo realizado através de Oficinas de Expressão Corporal com um grupo de 15 pessoas, entre 9 e 16 anos, com diferentes condições visuais. Os encontros acontecem uma vez por semana, cada um com duração de duas horas. Nossas intervenções exploram diferentes dimensões do mundo a partir da experimentação corporal e sensorial com os mais diversos objetos. Assim, foi possível produzir um mundo elástico criando um coletivo elástico que articulava pessoas, elásticos de diversas espessuras e resistências, movimentos, danças. Nossas intervenções seguem os efeitos, os fluxos que as conexões produzem. Consideramos que o conhecimento que produzimos acerca do que é o conhecer sem o ver é negociado com o grupo, pactuado de modo imanente. Há um vetor de incerteza em cada uma de nossas intervenções, em cada uma das ações que executamos. No sentido da epistemologia do afetar e ser afetado, proposta por Despret, consideramos que no dispositivo das Oficinas nem todas as ações produzem articulações. As ações mal-sucedidas, isto é, aquelas com as quais os jovens deficientes visuais não se articulam, são para nós pistas que nos indicam caminhos para formularmos novas ações, novas perguntas ao grupo. O dispositivo é um cenário que articula e inventa o sujeito e objeto do conhecimento. Ambos, sujeito e objeto, são efeitos do dispositivo. Conhecer é, portanto, arriscar-se a não formular as boas perguntas. Assim, tocamos em dimensões éticas, estéticas e políticas da pesquisa. Éticas no sentido de uma ética da imanência, uma ética que segue os modos de conhecer próprios dos jovens deficientes visuais. Estética porque consideramos que nossas intervenções produzem efeitos diversos, inventam um mundo cognitivo a partir das boas articulações entre humanos e não humanos. Políticas porque conhecer é negociar, articular atores heterogêneos.