Resumo: Artigo 35588
Ciência e patronagem: análise da trajetória do naturalista e intendente das minas Manuel Ferreira da Câmara (20, 46, 47)
Alex Varela, Museu de Astronomia e Ciências Afins, Brazil.
Apresentação: Thursday, May 29, 2008 1:15PM - 3:15PM sala 215 - UNIRIO VII ESOCITE - Sessão 52 - Chair: Moema Vergara
Abstract.
O personagem Manuel Ferreira da Câmara ficou conhecido pelo seu perfil político de estadista e parlamentar, sobretudo por sua atuação no período da Independência. Sua trajetória histórica, contudo, revela que a face de naturalista e os interesses políticos são indissociáveis, fato que caracteriza o homem ilustrado do século XVIII. Não são duas carreiras diferentes ou sucessivas, mas dois perfis de uma mesma trajetória de vida que não podem ser de forma alguma cindidos: o de estudioso das ciências naturais e o de homem público. Portanto, há lacunas que estimulam a reflexão sobre o personagem em novas direções. Formado em Filosofia, com ênfase nas ciências naturais, e especialização nas artes mineiras e metalúrgicas, Manuel Ferreira da Câmara foi membro ativo do centro de irradiação das luzes em Portugal, a Academia Real das Ciências de Lisboa. Nesse espaço, apresentou diversas memórias científicas que revelam a atualização do seu pensamento científico. As características da História Natural moderna, como o pragmatismo, o utilitarismo, o ecletismo, entre outras, estavam presentes nas suas dissertações. Além disso, observa-se a sua inserção no conjunto das práticas científicas mineralógicas no período entre o final do século XVIII e o início do XIX, tanto pelos termos que empregava, como pela sua postura teórico-metodológica que buscava descrever os minerais em seu local de ocorrência, dando ao seu trabalho um caráter nitidamente geográfico, onde o trabalho de campo adquiria papel de relevância. Portanto, o estudioso seguia os caminhos próprios de sua ciência, no estágio em que se encontrava naquele período. Câmara teve uma participação ativa no projeto reformista político-científico do governo mariano, liderado pelo ministro D. Rodrigo de Sousa Coutinho. O homem de governo e o naturalista estabeleceram uma forte aproximação com o interesse mútuo de promover a História Natural do Império Português. Seus estudos sobre a natureza constituir-se-iam num humilde oferecimento, fruto da pura satisfação, do seu amor e vassalagem. Ele se disponibilizava em se engajar no Real Serviço com os conhecimentos no campo da mineralogia para o engrandecimento da nação portuguesa. A produção do conhecimento científico por Ferreira da Câmara era dom, um serviço prestado à monarquia como trunfo para se aliar ao sistema de patronagem comandado por D. Rodrigo. O naturalista ao receber cargos, pensões, mesadas, entre outras sinecuras, acabava por inserir-se na Lógica do Prestígio, na medida em que vivia sob a proteção do Estado. Vivendo literalmente às custas da Coroa portuguesa, passava a ter uma posição privilegiada em sua sociedade. Privilegiada porque significava a proximidade com a Coroa, a participação em sua vida, tornando-se um súdito honrado e afastando-se da base da pirâmide social. Privilegiada porque dependente. O trabalho do naturalista Ferreira da Câmara não pode ser dissociado do seu papel enquanto cortesão, uma vez que a vida na corte moldaria a sua vida quotidiana e a sua atividade científica. E, na corte, espaço social onde as regras eram determinadas pelo príncipe, a história natural desfrutava de amplo reconhecimento, uma vez que teria um papel central nos projetos econômicos, políticos e culturais da segunda metade do século XVIII no Império Português. Como Intendente dos Diamantes da região de Serro do Frio, sob a proteção do pai e benfeitor D. Rodrigo, Câmara acumulou serviços e honras com a inspeção das minas e matas, a construção de fábricas de ferro como a Real Fábrica de Gaspar Soares ou do Pilar, a capacidade de influir para a publicação de um conjunto de leis relativas à política mineral do Brasil, entre outras atividades. Seus serviços renderam-lhe títulos honoríficos como a nomeação de desembargador dos Agravos da Casa de Suplicação, e o de conselheiro honorário da Fazenda no Conselho de D. João VI. Portanto, a trajetória de Manuel Ferreira da Câmara comprova como o conhecimento da natureza promoveu-lhe lugares na administração, permitiu acumular honra, desfrutar de títulos e ordenados de valor considerável. Os estudos no campo da História Natural forneceram o meio para conseguir se aproximar da corte e receber a merecida honra.