Fazendo NECSO[1]:

Localizando o global e globalizando – parcialmente – o local

Ivan da Costa Marques – imarques@ufrj.br
Programa de Pós-Graduação em Informática
DCC-IM/NCE-UFRJ
Rio de Janeiro, 2001

Se temos as ferramentas que nos permitem mostrar que o conhecimento científico & tecnológico resulta de uma atividade coletiva, e não é mau, nem bom, e sobretudo não é neutro, que podemos fazer com estas ferramentas?

Como podemos fortalecer os fatos que criamos?  Como identificar novos aliados e reconhecer os testes de força que mostrarão os limites de nossas alianças, a robustez dos fatos (ou seja, do conhecimento) que criamos?

Poderíamos reivindicar “cientificidade” para o conhecimento que criamos? Por um lado, ele é científico porque sua construção guarda similaridades e exigências que remetem a práticas consagradas na construção dos conhecimentos científicos. Por outro lado, assim como torna relativa e muda a ontologia da verdade científica, o caráter da cientificidade, o conhecimento que criamos também relativiza suas próprias verdades. De onde, então, poderá vir sua legitimidade e sua força? Aqui está uma porta filosófica que nos leva ao global e ao diálogo internacional. E especialmente aqui devemos, parece-me, freqüentar os mesmos espaços e tempos (problemas) e nos ombrear com nossos colegas da comunidade de Estudos de Ciência & Tecnologia e Sociedade (STS – Science and Technology Studies ou Science, Technology, Society) mundo afora.

Além disto, já sabemos que a divisão natureza-sociedade não é algo preexistente mas resulta de um arranjo historicamente construído por grupos de entidades (humanos, animais, vegetais, minerais, conceitos!, nomes!) que compartilha espaço e tempo em permanentes ajustes (negociações). Neste processo de negociação conformam-se arranjos, fronteiras e territórios, classificações que provisionalmente dão forma às próprias entidades. A modernidade pretendeu estabelecer que alguns arranjos valem para todos os grupos e incumbiu a ciência (moderna) de descobri-los.  Como as entidades em sua radical indeterminação não validam voluntária e generalizadamente os arranjos que a ciência moderna aponta como universalmente válidos (verdadeiros), entra em cena um processo disciplinar (muito grosseiramente, o laboratório para as coisas e os animais; a escola, os hospitais e as prisões para os humanos – Foucault). Mas a distribuição mundo afora dos arranjos ditos universais, essencializados e naturalizados, produz e reproduz as distribuições de papéis, de facilidades e de dificuldades para as entidades (actantes, individuais ou coletivos) criando algumas diferenças e não outras dentre infinitas outras (por exemplo, o universo a partir do big-bang, as características da vida determinadas pelos genes, a propensão ao comércio – barter and trade – nos humanos, a divisão entre o público e o privado na sociedade, a democracia tipo ocidental como um regime político). E é aí que o conflito entre ciência e política expressa sua complexidade. E aí temos um trabalho local, especificamente nosso, uma vez que as categorias ditas universais disciplinarmente implantadas geram distribuições assimétricas entre terceiro e primeiro mundo, brancos e negros, homens e mulheres, etc. É aqui que plantamos uma base local de onde saímos para nossas incursões globais.


[1] Núcleo de Estudos de Ciência & Tecnologia e Sociedade