Resumo: Artigo 36260
O Encontro da Ciência com o Judiciário: A Prova Científica (44, 52, 90, 62)
Luis Carlos Serpa, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brazil.
Apresentação: Thursday, May 29, 2008 1:15PM - 3:15PM sala 210 - UNIRIO VII ESOCITE - Sessão 24 - Chair: Maíra Baumgarten
Abstract.
Desde seu estabelecimento no final do século XIX, a Criminalística, ou a aplicação de métodos técnico-científicos como auxílio à justiça criminal, cresceu no mesmo ritmo em que a ciência estabelecia-se como porta-voz da natureza e detentora da verdade. No decorrer desses mais de cem anos, com as novidades científicas, os novos artefatos tecnológicos e a conseqüente sofisticação dos procedimentos técnicos, a Criminalística, principalmente nos países ditos desenvolvidos, adquire importância crescente no processo penal, fortalecendo a noção de prova material inconteste. Essa noção decorre da própria utilização do conceito de ciência associado a esse conjunto de práticas, que traz consigo as idéias de objetividade, imparcialidade e naturalidade. Necrópsias, impressões digitais, exames químicos em substâncias encontradas em locais de crime, cálculos físicos aplicados à trajetória de projéteis, veículos e outros corpos, passaram a ser considerados ferramentas decisivas para determinação de autoria de atos ilícitos. O exemplo mais típico e atual é o exame de DNA, ícone da ciência forense moderna, propagado como praticamente infalível, decidindo questões de paternidade, unindo ou separando famílias, e identificando para a justiça os criminosos sobre os quais poderão pesar anos de privação de liberdade ou ainda, caso esteja sob a jurisdição de um país que a adote, a própria pena capital. Estaria a justiça ficando refém de uma caixa-preta científica? Por outro lado, a situação brasileira em que a investigação criminal é notoriamente ineficiente, o clamor é justamente por uma polícia mais inteligente, ténica, tanto por essa ineficiência percebida no cotidiano e ratificada em estatísticas, e pela saturação do noticiário de violência policial, como tamnbém pela divulgação dos métodos sofisticados e eficazes adotados nas polícias do primeiro mundo. Apesar dessa aparente consolidação da Criminalística como forma ideal de legitimação de setenças, um olhar diferente pode revelar um cenário menos estabilizado. Ao ser observada sob a ótica dos chamados science studies, mais especificamente segundo os princípios propostos por Bruno Latour em sua obra Science in action (1987), ou seja, seguindo os cientistas, no caso os peritos criminais, em ação, a Criminalística revela-se um campo bastante peculiar para o estudo das controvérsias, actantes, traduções e associações que formam sua rede. Não só pelo conjunto de profissionais com formação técnico-científica diversa (engenheiros, físicos, químicos, geólogos, farmacêuticos) trabalhando no mesmo ambiente, junto a contadores e economistas, mas pelos requisitos próprios que o judiciário impõe a esse trabalho. As inscrições devem seguir o formalismo e a agenda da justiça, os prazos oscilam entre a tolerância burocrática e intervalos de horas determinados repentinamente, os recursos disponíveis variam da carência absoluta a centros espelhados no mundo desenvolvido, as controvérsias podem acontecer de forma comprimida, sob alta pressão, nas côrtes judiciais. Outro aspecto instigante é que o exame pericial, ao mesmo tempo que fornece um respaldo de grande credibilidade ao veredito do juiz, por outro lado é um produto na forma de um laudo - de procedimentos técnicos dominados por especialistas (experts, peritos), que tem que (ou deveria) ser compreendido e utilizado por advogados, delegados, promotores e juízes, praticantes de um conhecimento bastante diverso como o Direito. O impacto dessa tradução, também de acordo com o conceito adotado por Latour, é pouco estudado e seguramente pode ter implicações relevantes. Mesmo com traduções imperfeitas, as associações se estabelecem pelo impreativo da persecução penal, que une peritos, delegados e promotores na busca por um inquérito e um processo robustos, e inclui o juiz que se beneficia de um embasamento material para sua decisão. Este trabalho não pretende, ao contrário de um laudo pericial, culminar em conclusões afirmativas, mas apenas, em acordo com a proposta da disciplina da qual é produto, lançar um olhar latouriano sobre um aspecto bastante prosaico da ciência em ação, a ciência nos tribunais, mas não no banco dos réus, e sim no das testemunhas, ao lado do juiz.