Resumo: Artigo 36182
Democracia participativa e as novas expertises na gestão das águas (6, 11, 115)
Alessandro Piolli, Universidade Estadual de Campinas, BrazilMaria Costa, Unicamp, Brazil.
Apresentação: Wednesday, May 29, 2008 1:15PM - 3:15PM sala 213 - UNIRIO VII ESOCITE - Sessão 56 - Chair: Dominique Vinck
Abstract.
Em meio a conferências internacionais sobre o meio ambiente que recomendavam maior participação pública nas decisões ambientais e ao processo de re-democratização do Brasil, ocorreu a criação do aparato legal e institucional para o aumento da participação do público no processo decisório, por meio da criação dos comitês de bacias hidrográficas como unidades de gestão das águas. Constituídos por representantes da sociedade civil, usuários da água e do poder público, tiveram como atribuições centrais a regulamentação da cobrança pelo uso da água, a racionalização de seu uso e a geração de recursos para sua manutenção, além de determinar onde e como serão investidos esses recursos. A percepção do Estado de sua incapacidade em mediar os conflitos e regular o uso da água pode ser atribuída, entre outros fatores, ao aumento dos conflitos para a alocação da água no Brasil, devido aos seus crescentes usos econômicos e à situação de escassez, e à organização da sociedade civil em torno do assunto. O crescente uso econômico da água e a multiplicidade política dos usuários deste recurso originam desafios para os comitês, como o estabelecimento de parâmetros de cobrança para as várias realidades de usuários da água, por meio da negociação entre os diversos atores envolvidos. O Comitê de Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (Comitê PCJ), um dos primeiros a iniciar a cobrança da água, estabeleceu um desconto na taxa pelo seu uso na agricultura (provisoriamente de 90%), o que é considerado um lobby dos ruralistas por opositores desse setor. Por outro lado, os agricultores teriam, com o valor cobrado para o uso econômico da água, um aumento significativo no custo de produção, que seria repassado ao consumidor final. Nessa controvérsia, a Câmara Técnica Rural (CT Rural) órgão consultivo do comitê para assuntos de caráter técnico e científico tem até 2007 para apresentar uma proposta de parâmetros definitivos para descontos, de acordo com as negociações entre os participantes e o grau dos impactos ambientais da atividade agrícola específica. Apesar desse caráter técnico e científico das decisões da CT Rural, ela tem representantes dos três segmentos que compõem o comitê e o coeficiente de desconto rural (K rural) é desenvolvido tecnicamente, de acordo com parâmetros estabelecidos no processo de negociação entre os atores. Como a definição de como será a cobrança rural depende da apreciação da proposta pelo comitê, ela será negociada entre representantes dos diversos interesses em jogo na gestão das águas de atores externos à CT Rural, que também buscam respaldo na autoridade conferida pelo uso de conhecimentos científicos e sua suposta neutralidade política. A sociologia da ciência tem mostrado que as escolhas entre opções técnicas, e a própria construção dos conhecimentos científicos disponíveis, não podem ser separados dos aspectos sociais e políticos em que estão inseridos. Em vários contextos de participação pública nas decisões, muitas das disputas estão no âmbito da retórica, uma vez que as noções de ciência e os conceitos dela extraídos podem ser usados para propósitos políticos distintos, por meio de estratégias retóricas em consonância com os interesses específicos de cada grupo envolvido. No caso das disputas acerca da cobrança da água, a busca pelo respaldo científico evidencia-se nos diferentes usos de termos como racional, técnico e científico. Desta forma, a análise discursiva das distintas estratégias retóricas assumidas em algumas dessas disputas no Comitê PCJ poderá ser um terreno fértil na discussão dos efeitos das novas expertises que passaram a co-existir na gestão das águas para o processo de democracia participativa. Tentaremos argumentar que, com a ampliação da participação pública proporcionada pela criação dos comitês, a convivência entre os experts e a democracia participativa torna-se possível.