Resumo: Artigo 36147
De tumor maligno a neoplasia: o câncer na mira da medicina brasileira (64, 36, 50)
Luiz Teixeira, COC - Fiocruz, Brazil.
Apresentação: Thursday, May 29, 2008 1:15PM - 3:15PM sala 201 - UNIRIO VII ESOCITE - Sessão 10 - Chair: Lilian Chazan
Abstract.
O trabalho aborda os primórdios dos estudos sobre o câncer no Brasil, procurando compreender sua transformação em problema social e alvo do saber científico. Nosso objetivo central é discutir a construção da doença como problema médico relevante e as justificativas usadas nesse processo. Também analisamos como se deu a passagem de uma visão do indivíduo doente (e incurável) para uma outra que via a doença como um problema social, a ser tratado pela medicina. Os primeiros estudos sobre o câncer no país foram realizados a partir do início do século XX, por médicos da Capital Federal e apresentados nas duas grandes sociedades médicas da cidade, a Academia Nacional de Medicina e a Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. O interesse dos médicos no problema do câncer no Brasil iria se estabelecer a partir de seus contatos com a literatura internacional sobre o tema e, principalmente, por sua atuação em congressos médicos internacionais. No início do século XX, a doença cada vez mais era alvo de atenção da medicina ocidental. A publicidade sobre o aumento de seus índices na Europa e nos Estados Unidos, o desenvolvimento de novas técnicas de tratamento como os raios X e a radioterapia, e as primeiras ações sociais filantrópicas de patrocínio à pesquisa e a diversas formas de tratamento lhe davam maior visibilidade. Além disso, o interesse pelo câncer passou a ser tema recorrente nos congressos de medicina de todo o mundo e, em particular nos congressos latino-americanos. Nossa elite médica, fiel participante desses encontros, se voltaria para o problema para não ficar alheia a um novo campo de estudos que se inaugurava. No entanto, o interesse pela doença se relacionava prioritariamente à possibilidade de pertencimento ao campo médico internacional, pelo compartilhamento dos mesmos objetos de estudos. Nossos médicos não tinham em mira a resolução de um problema de saúde de grande extensão em nossa sociedade, o que fazia o câncer ser analisado sempre pela forma como ele se configurava, ou era visto nos paises desenvolvidos. A vinculação efetiva do câncer às preocupações da medicina nacional, se deu num caminho ascendente que levaria a sua incorporação pela saúde pública a partir da década de 1920. Além da inclusão de uma inspetoria voltada para a doença no organograma da Saúde Pública, esse período marca o surgimento de nossas primeiras instituições votadas diretamente para o problema do câncer. O Instituto do Radiun de Belo Horizonte, fundado em 1922, o Instituto do Câncer Dr. Arnaldo, instituído em 1929 em São Paulo e o mal-sucedido projeto de um hospital do Câncer levado a frente pelo Industrial Guilherme Guinle em consórcio com uma associação de médicos do Distrito Federal marcam as iniciativas de criação de instituições de pesquisa e cuidados voltadas exclusivamente para a doença no final do primeiro quartel do século XX. A concepção do câncer como problema médico de grande vulto requereu freqüentes negociações entre os médicos, seus instrumentos e sua virtual clientela. De início, as estatísticas sanitárias mostravam a pouca incidência da doença entre os brasileiros. Uma das saídas para o problema foi a elaboração de um discurso que desconstruía a verdade dessas estatísticas sublinhando as altas taxas de sub-notificação da doença e o seu inexorável aumento à medida que o país se modernizasse, pois o câncer era visto como um mal do mundo desenvolvido. Como complemento a essa construção, a medicina precisou elaborar um outro discurso que procurava mostrar que o câncer seria curável se diagnosticado em seu início. Esse mecanismo seria a base da transformação da doença em problema médico e de saúde pública, pois além de determinar a constante ação da medicina na atuação diagnóstica, vinculava-a a uma doença até então tida como letal e irreversível.