Resumo: Artigo 35928
Será "correto" o uso de um computador por um estudante cego no vestibular? (14, 26, 35, 111)
José Borges, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brazil.
Apresentação: Friday, May 30, 2008 3:45PM - 5:45PM sala 202 - UNIRIO VII ESOCITE - Sessão 28 - Chair: Luiz Soares
Abstract.
Fazem poucas décadas desde que estudantes cegos são aceitos no ensino convencional, e em particular no ensino superior. Este processo inclusivo não foi absolutamente natural, muito menos aceito sem restrições. Em todos os casos, diversas lutas tiveram que ser levadas a cabo para que os direitos individuais fossem garantidos. Este texto analisa uma dessas ações: a luta pela aprovação do uso de um sistema de acessibilidade computadorizado o DOSVOX para um estudante cego no vestibular para Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A disseminação do uso do sistema DOSVOX, criado em 1993 no Núcleo de Computação Eletrônica da UFRJ, modificou a relação de um número muito grande de pessoas cegas com atividades de estudo, na medida em que permitiu a elas um acesso simples e barato aos computadores. Com a intermediação destas máquinas, através da síntese de voz, materiais textuais, inclusive transcritos de papel ou obtidos na internet, podem ser manipulados livremente e de forma compartilhável com pessoas não cegas. Tendo em vista esta praticidade e a comunicação direta entre professor e aluno que ela propicia, mesmo que mediada pela tecnologia, muitos cegos passaram a querer realizar as provas do vestibular, ou pelo menos aquelas provas com conteúdo totalmente textual, através do computador, utilizando o DOSVOX (que é gratuito) e outros sistemas similares. Entretanto, em diversas universidades federais, incluindo a própria UFRJ, berço do DOSVOX, nos últimos anos diversas pessoas cegas tiveram seus pedidos de uso de computador nas provas negados, tendo-se utilizado apenas as duas alternativas clássicas anteriormente estabelecidas: a) uma pessoa que lesse a prova (possivelmente anotando os resultados) e/ou b)uso de escrita Braille As explicações para as negações sistemáticas eram o medo de ações judiciais movidas por outros candidatos ("normais") que se considerassem prejudicados, e os perigos de se adotar uma tecnologia baseada em equipamentos que podiam falhar ou ser usados de forma imprevista. Na visão dos cegos, entretanto, estas justificativas para manter o processo braille-ledor não eram aceitáveis pois não levavam em conta situações plenamente conhecidas por eles (e também pelas equipes de vestibular). -- A leitura braille é mais lenta do que a leitura visual, com cansaço físico associado. -- Um ledor dificilmente consegue ser isento na sua leitura e com freqüência introduz elementos de indução tanto ao acerto quanto ao erro -- Um ledor deveria ser uma pessoa especializada no tema em questão. Num vestibular, entretanto, por questão de economia, um mesmo ledor atende a todas as disciplinas. -- Ao transcrever um texto para Braille, diversos detalhes devem ser reajustados, o que também pode se constituir numa "traição" para o aluno, por introduzir elementos diferenciados para o processo de avaliação. Em 2004, entretanto, a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) deu permissão ao uso do DOSVOX no vestibular. O precedente criado na UFES repercutiu no Rio Grande do Sul, onde um estudante cego, candidato ao curso de Jornalismo, ao ver negado seu pedido de uso do DOSVOX, aconselhado por um órgão representativo dos cegos (União dos Cegos Brasileiros UBC), resolveu mover uma ação judicial contra a UFRGS. A jurisprudência criada acabou por definir, na prática, um novo tipo de ator no processo seletivo: "o candidato cego que usa computador", cuja posição relativa a um candidato não cego em concursos vestibulares, foi na prática estabelecida por uma negociação que incluiu um processo judicial. Este trabalho adota a visão da Teoria Ator-Rede cuja metodologia consiste em acompanhar os atores ou actantes na construção dos fatos e artefatos. A análise por ser necessariamente finita, inclui sempre a escolha de fronteiras, algum tipo de enquadramento, em que se considera esgotada a população de atores-rede (que podem ser humanos e não humanos) do universo da análise. Os principais atores configurados neste trabalho são o estudante cego, a Internet, sua rede de amigos conectados pela Internet, o sistema Braille, os ledores, uma empresa de venda de produtos para cegos, algumas ONGs (em especial a União Brasileira de Cegos), o comitê de vestibular da UFRGS, a Secretaria de Educação Especial do MEC, a legislação brasileira, o computador, o Projeto DOSVOX, o Sistema DOSVOX e um juiz.