Resumo: Artigo 35838
Bioética e reprodução humana: tecnologia, humanidade e normatividade se reinventam nos processos em rede (10, 40, 46, 57, 104)
Júlio Cesar Nobre, UFRJ e UniFOA, Brazil.
Apresentação: Friday, May 30, 2008 3:45PM - 5:45PM sala 201 - UNIRIO VII ESOCITE - Sessão 9 - Chair: Antonio Arellano Hernandez
Abstract.
O presente trabalho objetiva explorar o tema das novas biotecnologias da reprodução e, mais especificamente, da produção bioética que dela decorre. Diversas são as situações e práticas hoje em dia, em que se encontra grande dificuldade de delimitação do exato ponto onde começa o artifício e termina a humanidade e vice versa. Tal dificuldade parece se ampliar e se radicalizar bastante quando o assunto segue na direção das novas biotecnologias da reprodução humana. Tais tecnologias, ao buscarem intensamente uma melhoria da vida humana, acabam por engendrar, simultaneamente, um processo cada vez mais artificializado de produção desta mesma vida humana, trazendo à pauta diversas problematizações. Discussões e polêmicas sobre clonagem, células tronco, reprodução in vitro estão na ordem do dia e nas manchetes e capas dos principais jornais e revistas do mundo reforçando nosso presente argumento. Quimeras parecem surgir como que transportadas de contos de ficção para nosso cotidiano. Vemos híbridos de humanidade e tecnologia bastante parecidos com os ciborgues dos filmes de Hollywood. Diante de tal quadro, muitos são os autores que, entendendo o sujeito humano como totalmente exterior ao artifício, procuram alertar para os possíveis males que essa hibridação poderia portar sobretudo o risco de desumanização do sujeito. Podemos ver um temor sobre o que estes processos de hibridação podem produzir e uma dificuldade, cada vez mais aumentada, de configurarmos uma alteridade entre humanos e artifícios. Buscamos aqui uma sintonia diferente que recusa qualquer posição determinista por entender que tanto humanidade quanto tecnologia não constituem nenhuma solidez pré-determinada. Apoiados na perspectiva de Bruno Latour e apostando na potência dos híbridos, compreendemos que o humano e a tecnologia se constituem reciprocamente, em processos de mediação. Apostamos no modelo de redes sociotécnicas. Tal concepção aponta para a inexistência de um centro a priori. Pensamos, portanto, a partir das amarrações de humanos e não-humanos que, por sua vez, são também mais amarrações. Nos situamos em um emaranhado de redes que fragmentam qualquer solidez em microconexões ou desconexões. Tais amarrações sempre constantes e bastante radicais e velozes na atualidade parecem trazer dificuldades para o campo da normatividade. Novas realidades despontam das redes atuais com tamanha velocidade e radicalidade que acabam por instabilizar os parâmetros sobre os quais o direito normativo até então vinha se apoiando para analisar as respectivas situações. É neste ambiente híbrido, que nosso foco de questionamento reside na produção Bioética. Tal produção parece-nos estar tradicionalmente ancorada em uma concepção onde tecnociência e Bioética configurariam polaridades estanques, cabendo a normatividade da Bioética sobredeterminar o campo biotecnológico, ordenando suas práticas. De um lado a dimensão biotecnológica e de outro, a Bioética que buscaria ordená-la em suas ações. Nossa reflexão, diferentemente de tal concepção, tem por foco os elos que unem tais campos em um ambiente de controvérsias. Buscamos um olhar que possa apreender uma bioética em ação. Tal conceito torna-se, então, efeito de redes, onde a normatividade é simultaneamente produzida pelo campo que busca normatizar. As controvertidas discussões bioéticas, ao denunciarem o excesso de artificialidade na dimensão natural do início da vida, misturam argumentos religiosos, leigos, tecnicocientíficos e... de bioeticistas. Embora haja concepções de bioética buscando defini-la como um centro regulador, esta gera mediações/coerções em sua imbricação com as tecnologias. E é nessa mesma linha efêmera entre contenção e fluxo que uma produção em rede é levada adiante em um misto de permanência e fuga. Pensamos, portanto, a bioética como potência produtiva e não apenas como controle regulatório como sendo sempre rede mesmo quando se pretende normativa.