Resumo: Artigo 35834
Tecnociência e política no surgimento do Leviatã eletrônico (11, 57, 30, 1, 5, 53)
Marcello Cavalcanti Barra - Marcello Barra - Universidade de Brasília (UNB), Brazil.
Apresentação: Friday, May 30, 2008 3:45PM - 5:45PM sala 201 - UNIRIO VII ESOCITE - Sessão 9 - Chair: Antonio Arellano Hernandez
Abstract.
O objetivo deste trabalho foi verificar como condições científicas e tecnológicas se configuraram na formação e implantação da Infra-estrutura de Chaves-Públicas Brasileira (ICP-Brasil) (Barra, 2006) (no prelo). Pesquisou-se a ICP-Brasil por ser ela um caso do chamado "governo eletrônico". O interesse por esse objeto se deveu a sua importância diante das outras tecnologias utilizadas pelo governo eletrônico e ao caso ser "sui generis", isto é, constituir-se em uma construção brasileira diante de conhecimentos científico-tecnológicos mundializados. Mas qual a utilidade da ICP-Brasil? Essa Infra-Estrutura é o meio respaldado pelo Estado para identificação pessoal e autenticação de documentos por intermédio de transações eletrônicas. O maior exemplo de uso da ICP-Brasil é o Sistema de Pagamentos Brasileiros (SPB). Em 2004, transferiram-se recursos da ordem de R$ 180,79 trilhões, mais de 100 vezes o PIB brasileiro, utilizando-se tal Sistema. A pesquisa consistiu em um estudo de caso que utilizou o método de análise do conteúdo do discurso. Realizaram-se 24 entrevistas semi-estruturadas com participantes do surgimento da ICP-Brasil, posteriormente transcritas. Verificaram-se as hipóteses de pesquisa, que foram rejeitadas pela baixa relevância nas falas dos entrevistados. Buscou-se analisar, então, cada trecho dos discursos, resumindo-o em uma palavra ou frase. Temas semelhantes foram agrupados em tópicos mais amplos. A lei que criou a ICP-Brasil, a Medida Provisória 2.200-2, de 2001, foi comparada a suas duas versões anteriores. Finalmente, ao se obter o acesso aos arquivos da ICP-Brasil, localizados na Divisão de Telecomunicações da Presidência da República, tornou-se possível analisar comparativamente seus documentos à luz das transcrições das entrevistas e da lei, com suas versões pregressas. A ICP-Brasil foi instituída como resultado de um processo político. Surgiu de um contexto em que se constatou um comportamento de acordo com a Razão de Estado, que configurou o aparecimento do Leviatã eletrônico. O Leviatã garantia a segurança, a paz e a existência do Estado. E provocou o aumento da centralização do poder na esfera federal, no topo do Poder Executivo, sob a alçada do Presidente da República. O Leviatã eletrônico, além de garantidor da segurança e da paz interna, assegurava também a paz entre as nações. A ICP-Brasil forneceu condições para que o Leviatã eletrônico emanasse, ajudando no (so)erguimento do próprio Leviatã. O que se pode descrever sobre técnica e política no surgimento do Leviatã eletrônico? Acima de tudo, ambas se encontraram bastante conectadas e misturadas. A conexão entre ambas permitiu a identificação de dois tipos: o "técnico-conector" e o "político-conector". O primeiro é o ator de perfil técnico que conecta a tecnociência à política. O segundo é o ator político que conecta o mundo da política à tecnociência. A mistura, por sua vez, significa que as decisões consideradas técnicas se davam num contexto político, tendo fins igualmente políticos, o que tornava política e técnica bastante indistinguíveis. Apesar da preponderância de uma condição política para o surgimento da ICP-Brasil, a ciência e a tecnologia não foram meros coadjuvantes no processo. O conhecimento matemático, e mais especificamente no campo da criptografia, encontrou a própria Razão de Estado. Por sua vez, conhecimento de cunho científico esteve misturado a conhecimento tecnológico, o que caracteriza o objeto como tecnocientífico. Além disso, os conhecimentos utilizado e gerado não estavam separados, descolados da realidade social.