Resumo: Artigo 35776
Opinião versus verdade no debate biotecnológico (9, 10, 45, 46)
Adriano Premebida, UFRGS, Brazil.
Apresentação: Thursday, May 29, 2008 1:15PM - 1:45PM sala 213 - UNIRIO VII ESOCITE - Sessão 22 - Chair: Gilson Queluz
Abstract.
Esta apresentação visa analisar o motivo pelo qual o discurso sobre biotecnologia molecular cientificiza ou "despolitiza" - paradoxalmente, através de uma politização - o debate sobre a alimentação, meio ambiente, bem-estar e a saúde, na legitimação de um discurso hegemônico de padrões de consumo, alimentação (nutrição) e cuidado de si. As ações técnicas de intervenção sobre os genes, propiciadas pela engenharia genética ou pela biotecnologia molecular, potencializam as formas de intervenção sobre os seres vivos. Estas intervenções acontecem sob a égide da instrumentalização da vida biológica, de acordo com os critérios de eficiência tecnológica e de técnicas de governo das populações dependentes do conhecimento de variáveis biológicas. Embora esta racionalidade de intervenção e gestão dos processos vitais atinja os indivíduos em suas práticas cotidianas de socialização e formação identitária - nível microssociológico - sua apreensão analítica e descrição é mais evidente em âmbitos mais gerais. Nos termos durkheiminianos, se o indivíduo tem acesso ao conhecimento empírico, a organização racional destas experiências só é possível em níveis societários. Técnicas de governo sobre a vida são gestadas a partir do conhecimento científico, amparam diversos saberes na formulação de políticas, com o fito de preservar e gerir a vida e, assim, exprimir a possibilidade de maior ordenamento e controle dos dispositivos de poder atrelados ao conhecimento científico. Deste ponto de vista, as variáveis da vida biológica devem ser conhecidas e controladas com o objetivo de intervir sobre os seres vivos, de acordo com objetivos de produtividade e racionalização do mundo. O código genético foi a chave para a maior eficiência e rapidez na intervenção e domesticação da natureza. É necessário, então, repensar a propagação de conceitos biológicos na vida social, pois a partir dessa expansão, o conceito de ambiente e o conhecimento científico e tecnológico tornaram-se políticos, ou melhor, biopolíticos. As discussões sobre os impactos sociais de novas tecnologias podem ter na noção de biopolítica um interessante meio de agrupar temáticas muito diversificadas, mas convergentes, quando analisados os mecanismos de decisão política e efeitos de poder sobre os processos biológicos mais gerais dos seres vivos. As novas biotecnologias e as nanotecnologias podem reforçar o controle dos mecanismos de decisão política sobre a gestão técnica da vida em geral. Assim, reafirma-se a biopolítica como elemento heurístico para pensar estas mudanças que impactam (positiva ou negativamente) a saúde humana, o ambiente, a biodiversidade e os sistemas peritos de segurança relativos aos processos e produtos nanobiotecnológicos. A escalada tecnológica atual está além de representar a natureza como ela é, pois o caminho da modificação da natureza atingiu um patamar muitas vezes inimaginável. Se comumente a epistemologia trata dessas formas de representação da realidade de forma flexível, os aspectos ontológicos sofrem certas reviravoltas quando algumas propriedades mais gerais dos seres vivos, tidas como essenciais à sua existência, como o genoma, sofrem, agora, grandes modificações. A episteme atual do conhecimento científico não se pauta mais apenas pela representação, mas pela modificação. Este fenômeno atinge o plano da política; o contexto capitalista de produção gera ações no sentido de transformar a vida e os processos biológicos em mercadoria, em bem privado. Um dos argumentos centrais desta apresentação, então, é que a noção de biopoder, utilizada originalmente por Michel Foucault, adquire um estatuto mais abrangente, pois já não está vinculada apenas aos sistemas de controle sociais e econômicos sobre os corpos (disciplina) e variáveis biológicas da humanidade enquanto espécie (biopolítica), mas porque atualmente abarca todos os sistemas e seres vivos, via o constante processo de controle, interesse comercial, modificação e privatização da vida, exeqüível pelas inovações científicas e tecnológicas nas áreas da manipulação molecular, principalmente. Na medida em que apenas as necessidades biológicas e as preocupações da vida doméstica (ou de saúde) justificam a aplicação ou não destes conhecimentos, o debate biotecnológico torna-se político. A ciência torna-se o parâmetro legítimo (retórica da verdade científica) para orientar este debate, ao desmobilizar uma discussão pautada por critérios políticos mais gerais de entendimento e expressão de opinião.