NCE/UFRJ Texto de provocação para o Ato Rede 2010


DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E INOVAÇÃO

Texto para ser analisado no Ato-Rede 2010

Uma colaboração de
Isabel Cafezeiro
Márcia Cardoso
Paulo Sérgio
ET AL.

Introdução

Predomina nas universidades brasileiras um esquema de separação entre as áreas de conhecimento percebido na estrutura burocrática, na organização dos espaços, nas grades curriculares, nos critérios de valorização do trabalho acadêmico e divisão de recursos.

Neste panorama bem arrumado reserva-se às instituições e pesquisadores das áreas exatas a produção de conhecimentos para as engenharias, as economias e as biomédicas. O outro lado do campus é reservado às subjetividades: ciências políticas, sociais, humanas e artes. Em ambos os lados o processo de construção de conhecimentos ocorre de forma internalista e difusionista, reforçando o mito da neutralidade científica.

No entanto, instituições e pesquisadores focados em suas questões técnicas são obrigados a fazer política, sem a qual as pesquisas não conseguem visibilidade e financiamento.

Ao conceber políticas de incentivo e fomento, quadros de agências para esses fins reproduzem o padrão no qual se formaram, considerado bem sucedido. Assim, surgem no Brasil, políticas semelhantes às concebidas nas matrizes, como se as condições de sucesso fossem as mesmas.

Construção de um lugar de fala

No capítulo IV, DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA, da Constituição Federal de 1988, ciência e tecnologia são tratadas como categorias autônomas, onde a pesquisa científica básica visa “o bem público e o progresso das ciências” e a pesquisa tecnológica visa a “solução dos problemas brasileiros e [...] o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional”. O mercado interno é visto como agente propulsor do desenvolvimento, já que: “integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País”.

O Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e Inovação (PACTI 2007-2010), do MCT em nome da melhoria da qualidade de vida dos brasileiros, e respeitabilidade aqui e lá fora apresenta uma política de CT&I tendo por base fronteiras de conhecimentos (nanotecnologia, terapias celulares, biocombustíveis, bioindústrias, agronegócio, programa espacial, programa nuclear, programa Antártica), cabendo à ampla sociedade brasileira (locus privilegiado de consolidação de valores) Olimpíadas de Matemática, Semana Nacional de C&T e Programa de Inclusão Digital. A partir desta política, o Plano faz um retrato otimista da CT&I no Brasil: 2,7% da produção científica mundial e 13º no ranking mundial, 160 mil bolsas de iniciação científica a pós-gradução em 2010.

A partir de 2004, a Lei Federal de Inovação (lei nº 10.973), passou a regulamentar a política de DTI. Em termos gerais, esta Lei pretende estimular a participação das ICT no processo de inovação através da cooperação com empresas. De acordo com o artigo nº 16, cada ICT deve criar uma unidade com a incumbência de executar a lei no âmbito da entidade. Assim, surgiram as diversas agências de inovação nas universidades federais brasileiras. A lei também dá suporte à criação de bolsas de desenvolvimento tecnológico e inovação do CNPq, equiparada às bolsas de produtividade em pesquisa, e do SIBRATEC (Sistema Brasileiro de Tecnologia).

Construção de um outro lugar de fala

Para romper com a divisão dos conhecimentos e o discurso internalista-difusionistas predominantes, precisamos romper com os preceitos modernistas de realidade dada e absoluta, uma vez que, conhecimentos são construções sociotécnicas locais. Em outras palavras, não devemos associar-nos a dita vanguarda do conhecimento que estaria no 1º Mundo, devido a um suposto avanço científico-tecnológico ao qual seríamos sócios menores e sim, construir a vanguarda do conhecimento nacional. Por aquele caminho, não demorará muito, estaremos projetando máquinas portáteis para tirar o gelo das nossas portas nas manhãs de inverno.

Precisamos colocar em evidência a posição do Brasil como país de periferia, tendo em mente que a periferia cumpre com o papel necessário de fornecedora de elementos para a acumulação do capital no centro. Ao mesmo tempo, negar o caráter evolucionista do subdesenvolvimento (o subdesenvolvimento não é uma etapa anterior ao desenvolvimento), o que abre espaço para considerações a respeito das especificidades do caso brasileiro. Nosso lugar de fala tem sido de um país do 3º mundo que busca a competitividade e autonomia pela via única da equiparação aos países do 1º mundo e, neste espírito, cria leis e direciona seus investimentos. No entanto, a experiência brasileira na implementação da reserva de mercado para computadores (1970-1980) já deu evidências de que desenvolvimento tecnológico não se compra, não se transfere. Ao contrário, advém do exercício de concepção e projeto de processos e produtos. Licenciamento, direito de uso e transferência de tecnologia são estratégias que não colaboram com “o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País” porque concepção e projeto ficam restritos a quem cede tecnologia, gerando dependência. A Lei de Inovação dá evidências de que a política de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação é baseada no modelo internalista-difusionista de transferência de tecnologia e absorve dos países desenvolvidos o pressuposto de que a quantidade de patentes e a propriedade intelectual são fatores fundamentais para o desenvolvimento tecnológico e soberania de uma nação.

Transferência de Tecnologia/Conhecimento

No texto da Lei de Inovação, não há maiores esclarecimentos sobre o termo transferência de tecnologia (conhecimento), no entanto, podemos encontrar explicações nas páginas das ICTs: "(...) transferência de conhecimento é uma ponte entre o foco gerador do conhecimento (notadamente instituições de ensino e pesquisa, entidades muitas vezes sem fins lucrativos) e o setor produtivo." Percebe-se claramente a purificação das categorias envolvidas: a ICT (no caso, as universidades) coloca-se na posição de centro difusor, que, benevolente, gera idéias e transfere seu conhecimento. As empresas materializam o conhecimento recebido gerando produtos ou serviços e os comercializam.

"Transformar o conhecimento científico produzido na Universidade em produtos e serviços úteis à sociedade é uma das principais motivações de núcleos e agências de inovação." Assim, tal transformação só se sustenta quando se considera a universalidade e a neutralidade dos conhecimentos e técnicas, ignorando o caráter local dos conhecimentos e tecnologias. A purificação das categorias ciência e técnica não deixa transparecer que a técnica, como produto do homem, é também um elemento da praxis, e assim, está intimamente ligada ao tempo e local onde foi construída. Aplicar aqui uma técnica que foi concebida lá não produz o efeito desejado porque a técnica não carrega consigo o compromisso com o tempo/local da aplicação, o que causa distorções.

Propriedade Intelectual

Propriedade Intelectual é o direito reservado aos responsáveis de qualquer produção do intelecto de usufruir das recompensas resultantes de sua produção. Como ressalta o guia para o docente sobre inovação e propriedade intelectual do INPI/CNI, “(...) a propriedade intelectual não se traduz nos objetos e em suas cópias, mas na informação ou no conhecimento refletido nesses objetos e cópias, (...)”. Tal prática, entretanto, está na contramão da democratização do conhecimento. No caso de produtos desenvolvidos em instituições públicas, o debate torna-se mais acirrado: o conhecimento gerado pelo dinheiro público deve ser patrimônio do povo brasileiro, inviabilizando qualquer tipo de outorga exclusiva.

O guia para o docente sobre inovação e propriedade intelectual do INPI/CNI apresenta uma classificação dos países em três categorias conforme a produção de tecnologia e o interesse pelos direitos de propriedade. “Em primeiro lugar estão os países excluídos tecnologicamente, importadores de tecnologia, que não possuem qualquer patente de invenção ou têm poucas, e nesse grupo encontra-se a maior parte dos países do mundo. Na segunda categoria estão os países adaptadores de tecnologia, que se destacam em alguns setores, com algumas inovações relevantes, mas que na maior parte conseguem apenas adaptar a tecnologia estrangeira, reproduzindo-a em seu território. Nesse grupo identificam-se alguns países desenvolvidos e em desenvolvimento. Em terceiro lugar encontram-se alguns poucos países que dominam a produção mundial de tecnologia e recebem sozinhos cerca de 93% dos benefícios advindos do sistema de proteção da propriedade industrial, e aí incluem-se os Estados Unidos, Alemanha, Japão, Holanda, França e Reino Unido.”

Como se vê acima, os discursos sobre a importância da propriedade intelectual aparecem usualmente justificados em um quadro de globalização, que aponta a construção de grandes bancos de patentes como indicativo de desenvolvimento. Sob esta ótica, o Brasil estaria enquadrado na segunda categoria, de “adaptadores de tecnologia”, necessitando, portanto, ampliar seus bancos de patentes para almejar a progressão para a terceira categoria.

Além do esforço empreendido para alcançar os patamares dos países desenvolvidos nos indicadores de desenvolvimentos estabelecidos pelos países desenvolvidos, os bancos de patentes são também justificados pela necessidade de divulgação dos produtos e processos já patenteados mundialmente, o que evitaria, sob este ponto de vista, o esforço considerado inútil de refazer um produto. Este argumento é bem familiar aos brasileiros. Foi, por exemplo, extensamente utilizado nas tentativas de reter a implantação da reserva de mercado para computadores. A inutilidade da reinvenção da roda, ou a urgência de queimar etapas têm sido evocadas em situações de competição onde o privilégio de quem fez primeiro (primado da origem) sustenta um grupo hegemônico, por exemplo, o grupo da terceira categoria.

Dentro do contexto da democratização do conhecimento, a propriedade intelectual é justificada como um mecanismo seguro, ou seja, (que assegura autoria e lucro), de compartilhar conhecimento: “primeiro proteger, depois divulgar”. Tem sido também ressaltada a importância da propriedade intelectual na criação de um patrimônio da Universidade. A Lei de Inovação, no artigo 16, cita explicitamente a necessidade de “acompanhar o processamento dos pedidos e manutenção dos títulos de propriedade intelectual da instituição”. Porém, em outras partes, como nas considerações IV e V (Lei de Inovação), não esclarece se as criações desenvolvidas na instituição são propriedades individuais, ou da instituição.

Duas considerações dentre muitas possíveis

A interação da ICT com o setor produtivo para gerar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País não ocorre na via ICT-> setor produtivo, e nem no sentido oposto. Tal desenvolvimento dá-se somente num amplo encontro de negociações democráticas na sociedade brasileira para a construção de processos e produtos, que serão de propriedade da sociedade brasileira.

E em função dos complexos parques industrial e científico-tecnológico montados e consolidados no Brasil, do crescente número de pós-graduados e de um fazer política é possível construir um caminho próprio de bem-estar social diferente do padrão dominante.


Cartinha Envie carta para Antonio Borges e Tiago Borges

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