DIRIGIR O DESENVOLVIMENTO DE TECNOLOGIA ATRAVÉS DO
PROJETO ASSISTIDO POR COMPUTADOR (CAD)

Reprodução livre, em Português Brasileiro, do texto original de Gary Lee Downey para fins de estudo, sem vantagens pecuniárias envolvidas.
Todos os direitos preservados.

Free reproduction, in Brazilian Portuguese, of Gary Lee Downey’s original text for study purposes.
No pecuniary advantagens involved. Copyrights preserved.

Gary Lee Downey

(tradução parcial de Fernando Manso)

Downey, Gary Lee. 1995. “Steering Technology Development through Computer-Aided Design” in Rip, Aire et. alii Managing Technology in Society. New York: Pinter. p. 83-110

Além da solução CAD/CAM

À primeira vista, projeto assistido por computador (CAD) e manufatura assistida por computador (CAM) parecem prover uma solução tecnológica para a avaliação construtivista de tecnologia  (CTA). As estratégias de CTA combinam um projeto analítico com um projeto normativo. O projeto analítico envolve (entender uma tecnologia como uma rede sociotécnica) sintetizar análises sociológicas, históricas e econômicas da tecnologia em teorias integradas da dinâmica da tecnologia. Uma conquista intelectual central da pesquisa recente sobre a dinâmica da tecnologia consiste em conceituar tecnologia não como uma força independente vinda de fora que age sobre a sociedade, mas como uma atividade social em si. Uma implicação desse argumento é que o desenvolvimento tecnológico dentro de corporações, por exemplo, é moldado por interesses e considerações que se estendem para muito além tanto das fronteiras organizacionais das firmas como também da estreita lógica econômica da maximização de lucros. O projeto normativo envolve a formulação de estratégias para dirigir o desenvolvimento tecnológico para formas socialmente desejáveis, onde “socialmente desejável” significa geralmente a redução da desigualdade social. Essa orientação dual oferece considerações tanto intelectuais como políticas para avaliar as propostas CTA bem como as estratégias de modulação (adaptações, ajustes).

A tecnologia CAD/CAM parece excitante à primeira vista porque ela parece ser a tecnologia projetada para os objetivos de CTA. Você não acredita, por exemplo, que integrar a tecnologia computacional com projetos de engenharia melhorará de alguma forma o desenvolvimento de novos produtos e aumentará a faixa de variações que os engenheiros consideram no desenvolvimento de novos produtos? Em princípio, muitos novos tipos de consideração podem ser incluídos nos processos de decisão dos projetos usando a tecnologia CAD/CAM. Seguindo essa lógica, se os praticantes de CTA convencessem os engenheiros projetistas a integrar considerações sobre igualdade social nos processos de decisão, então, talvez, o movimento CTA poderia se estabelecer (entrincheirar) politicamente através de modulações relativamente pequenas. A atividade CTA poderia até mesmo então se concentrar em escrever software para CAD/CAM que integrasse critérios de projeto sobre o socialmente desejável. Em suma, CTA teria uma solução tecnológica.

No entanto, nosso projeto analítico sugere que soluções tecnológicas são sempre mais complexas do que parecem à primeira vista. Usar uma solução tecnológica para resolver um problema social parece atrativo, quando a inserção desta tecnologia na sociedade exige pouco ou nenhum ajuste social. Mas se o desenvolvimento tecnológico é uma atividade social moldada por considerações heterogêneas, então a obtenção de uma solução tecnológica é uma genuína conquista social, e provavelmente rara. Entusiasmar-se com a tecnologia CAD/CAM sem  examinar seus desenvolvimentos e implementações heterogêneas é tornar-se vítima, precisamente, da forma de determinismo tecnológico que é negada pela pesquisa sobre a dinâmica da tecnologia.

No que se segue, eu apresento uma visão de implementação de CAD/CAM que difere de sua imagem mais usual de solução tecnológica. Focando nos Estados Unidos, eu descrevo a implementação de CAD/CAM como sendo a produção de três tecnologias distintas – automação do desenho bidimensional, wireframe tridimensional e modelagem de superfície, e modelagem de sólidos – as quais são dotadas com os agenciamentos de três tipos diferentes de usuários. Embora um movimento nacionalista tenha posicionado o CAD/CAM como uma solução tecnológica que reuniria as atividades de projeto e manufatura dentro de um empreendimento industrial coordenado, integrado e flexível, nenhuma das três tecnologias está orientada na direção de unir projeto e manufatura.

A implementação das tecnologias CAD/CAM desafia, de várias formas, atividades de projeto previamente estabilizadas e serve como recursos para fortalecer alguns grupos e marginalizar outros. As implicações para as preocupações da CTA podem ser significativas. Mais importante, aceitar tecnologias CAD/CAM significa aceitar a crescente matematização do projeto. Ou seja, o uso de CAD/CAM atribui  nova importância às atividades matemáticas de projeto, exigindo crescentemente que engenheiros e gerentes confiem em métodos matemáticos, os quais provavelmente eles não dominam. Isto é particularmente verdadeiro para o wireframe tridimensional e modelagem de superfície, as tecnologias que poderiam ser moduladas mais facilmente para atender aos objetivos da CTA. Eu ilustro tanto as oportunidades quanto os prováveis problemas envolvidos em dirigir o desenvolvimento tecnológico através da tecnologia CAD/CAM por meio de um estudo de caso:  uma tentativa de minimizar o estrondo sônico produzido pelo Transporte Civil de Alta Velocidade (HSCT), uma proposta de aeronave comercial que voaria a velocidades supersônicas.

Localizando as estratégias CTA

Este artigo constitui um argumento teórico para localizar estratégias que proponham realizar os objetivos de igualdade social da CTA. A orientação dual da CTA provê uma mistura de audiências para as teorias e estratégias CTA. Para exercer alguma influência, estas teorias e estratégias têm de ser significativas não apenas para os analistas CTA, mas também para os envolvidos na implementação das políticas CTA. Mas conceder aos envolvidos alguma autoridade sobre o conteúdo das teorias e estratégias CTA é um movimento novo que gera novas considerações conceituais. Eu argumentaria que as teorias CTA deveriam ser relativamente fáceis de serem entendidas pelos não especialistas, e deveriam ter significados culturalmente positivos. Por exemplo, o termo “avaliação construtivista de tecnologia” indica que o movimento CTA quer construir e não destruir, e o termo “modulação” sugere estratégias para mudanças na sociedade que não alterem seu caráter fundamental. De forma semelhante, os objetivos conceituais das teorias CTA deveriam incluir não apenas plausibilidade descritiva e poder explicativo mas também acessibilidade a não especialistas e uma disposição de suporte a empreendedores nas áreas onde se propõe a  mudança. Se não for dessa forma, a CTA pode se marginalizar o suficiente para ser ignorada como irrelevante.

Eu não considero como um objetivo necessário da CTA desenvolver uma teoria geral sobre a dinâmica da tecnologia. Uma implicação teórica de ver tecnologia como uma atividade social é que tecnologia se torna, com efeito, uma atividade social. Isto é, o valor de uma teoria especificamente sobre tecnologia reduz na medida em que o foco se desloca para abranger processos sociais heterogêneos. Essa tendência analítica parece se opor ao projeto normativo de promover a igualdade social, pois a estratégia mais usual para cultivar aliados em posições políticas é oferecer teorias que pareçam ser ao mesmo tempo sistemáticas e preditivas. É difícil considerar a heterogeneidade e ser sistematicamente preditivo ao mesmo tempo.

Os muitos modelos da dinâmica tecnológica que economistas, sociólogos e historiadores têm proposto são muito úteis, porque provêm taxonomias que ajudam a categorizar e interpretar casos materiais. No entanto, cada modelo é específico a um contexto; eles abstraem estruturas limitadas que não se aplicam igualmente a todos os casos. Desenvolver um conjunto de categorias taxonômicas relativamente compartilhadas pode ser importante para integrar comunidades acadêmicas no movimento CTA, como tem sido o caso para a retórica da seleção e variação no modelo evolucionário. Mas não apenas tais modelos deveriam ser moldados de tal forma que não especialistas pudessem entendê-los facilmente. Também não há razão para esperar um mega modelo acumulado da dinâmica da tecnologia, ou mesmo um conjunto de modelos, cada qual específico a um setor, para gerar mais do que algumas categorias gerais de estratégias de modulação. A tarefa mais difícil, e a área na qual a teoria CTA é menos desenvolvida e mais vulnerável, é fazer essas estratégias funcionarem superando sensitivamente a oposição local, e adequando as estratégias às cenas locais.

Cambrosio e Limoges (1991) oferecem um argumento interessante sobre controvérsias técnicas quando dizem que cada uma estabelece um único “espaço controversial” dentro do qual decisões têm de ser tomadas no sentido de alcançar a aceitabilidade. Em outras palavras, a forma e o conteúdo das soluções aceitáveis variam de controvérsia para controvérsia. Da mesma forma, eu acredito que a implementação de estratégias CTA produzirá, provavelmente, muitas mini controvérsias, com soluções específicas a cada controvérsia. Vendo CTA na perspectiva da teoria da controvérsia, os tipos de teoria que o movimento CTA mais precisa para guiar suas estratégias são “teorias de aceitação”, isto é, explicações sobre como pessoas e grupos aceitam seguir políticas CTA. Teorias de aceitação são teorias sobre as  interações entre atores as quais podem ligar modelos da dinâmica tecnológica a estratégias de modulação.

Várias teorias candidatas já estão em uso, cada qual com seus pontos fortes e limitações. Os promotores holandeses do CTA workshop definem aceitação como a vontade de seguir as regras e participar nos jogos estratégicos. A teoria ator rede propõe considerar os actantes em termos de poder, definindo aceitação como a submissão para ocupar um lugar em outra rede. O construtivismo social define aceitação como sendo um grupo se tornar convencido pela definição do problema dado por um outro grupo. Tendo participado de desenvolvimentos recentes em antropologia cultural, eu vejo aceitação como algo que varia segundo a forma e a extensão até a qual alguma ação reproduz ou transforma as  “identidades posicionais”  dos participantes numa interação.

Eu uso o conceito de identidade posicional para caracterizar como objetos culturais dotados de agência se movem com relação a outros objetos culturais se posicionando e se reposicionando. O termo identidade se refere aos significados e poderes posicionais dos agentes culturais em relação aos outros. Agentes podem ser atores humanos ou não humanos, incluindo grupos, organizações e mesmo tecnologias. A identidade de qualquer agente particular consiste de sua configuração de posições em relação aos outros agentes, e a produção de identidade para um agente é simultaneamente uma atribuição de significado e um ato de fortalecimento. Por exemplo, o CTA workshop e este volume produzem uma identidade distinta para a CTA posicionando-a em relação a avaliação de tecnologia, a avaliação de impacto social, os estudos de ciência e tecnologia, a Organização Holandesa para Avaliação de Tecnologia (que forneceu suporte financeiro), etc. Em outras palavras, a CTA procura por significado e poder como um agente que se estenda para além da comunidade acadêmica. Uma trilha de sucesso consistiria em que agentes desses outros domínios reproduzissem a mesma identidade para a CTA nas suas ações.

Cada evento que envolva ação levanta uma questão chave sobre identidade posicional: Como o evento reproduz ou transforma as posições existentes e, portanto as relações de poder? Quatro tipos diferentes de processos ocorrem regularmente. Uma ação particular pode refazer uma identidade existente: (1) preenchendo ou reproduzindo algumas posições; (2) transformando algumas posições; (3) gerando tensão interna pela reprodução de algumas posições e a transformação de outras; e (4) não tendo relevância para algumas posições.

Uma teoria da aceitação construída sobre o conceito de identidade  posicional foca na relação entre o que o agente é e o que o agente procura ser. Desta perspectiva, aceitar ou rejeitar uma posição particular é uma escolha sobre o que o agente procura ser, mas o conteúdo desta escolha depende do que o agente é. Por exemplo, o acesso às tecnologias CAD/CAM transforma os usuários fortalecendo-os com novos agenciamentos, mas as mudanças precisas em significado e poder que ocorrem dependem do fato de o usuário já ocupar as posições de desenhista, engenheiro projetista, ou engenheiro manufatureiro.

Mas as implicações de aceitar ou rejeitar posições particulares podem ser confusas, pois as mudanças posicionais freqüentemente produzem tensões e ambigüidades entre as posições constituintes da identidade do agente. A experiência de mudar se torna um exercício de administrar tensão e ambigüidade. Eu mostro em seguida que alguns desenvolvimentos CAD/CAM foram prontamente aceitos porque fortaleceram posições de projeto sem reestruturar a relação entre projeto e manufatura, enquanto outros desenvolvimentos receberam vários níveis de aceitação porque fortaleceram posições de projeto às custas de posições de manufatura, ou produziram tensões e ambigüidades entre as posições do pessoal de projeto.

A teoria da identidade posicional pode ser usada combinada a outras teorias de aceitação para desenvolver estratégias CTA. Outras teorias tendem a dar mais atenção aos objetivos dos agentes – o que eles querem ser – do que ao que eles são quando  definem seus objetivos. A teoria CTA precisa combinar essas teorias para construir estratégias aceitáveis, caso contrário corre o risco de oferecer recomendações para mudança que se mostrem impraticáveis porque irrelevantes. Ao mesmo tempo, uma teoria da aceitação construída sobre a identidade posicional não é simplesmente uma reedição da teoria do interesse, a qual afirma que o que os agentes são determina o que os agentes querem ser, isto é, seus interesses. Interesses, com efeito, ocupam o espaço entre o que os agentes querem ser e o que os agentes são (Latour 1987:108), mas o que um agente quer ser precisa ser determinado empírica e localmente, e não ser predito cegamente a partir de uma análise do que o agente é. Explicar o  agenciamento como um produto de interesses é uma racionalização post hoc.

Um movimento nacionalista para o CAD/CAM

Tecnologias CAD/CAM produzem novos agenciamentos no projeto, combinando atividades previamente distintas e concentrando-as em menos locais e em pontos mais próximos do início do desenvolvimento de produto. Cada tecnologia CAD/CAM é produzida identificando-se o conteúdo ‘informacional’ de várias atividades, transcrevendo essa informação em código binário, e reinserindo a tecnologia resultante naquelas atividades. Para engenheiros envolvidos em projeto de produtos, aceitar o agenciamento de tecnologias CAD/CAM não envolve simplesmente um deslocamento “da prancheta para a tela”. Significa também reunir atividades tais como as de desenhar, verificar, redesenhar, analisar, calcular sensibilidades, construir protótipos, e planejar operações de manufatura. Significa, também, freqüentemente, transformar a identidade da carreira do engenheiro, bem como de suas formas de trabalhar, de várias formas.

Nos Estados Unidos, um componente desta mudança de identidade tem um claro significado e legitimidade nacionais. Tanto os envolvidos com os desenvolvimentos CAD/CAM como representantes do governo e da indústria americana estabilizaram uma imagem das tecnologias CAD/CAM como um agente chave para resolver uma crise de identidade nacional. Desde por voltas de 1980, muitos americanos se sentiram sob um novo ataque vindo de fora. A imagem dominante era a de uma nação em risco por conta das perdas econômicas face aos competidores internacionais, especialmente Japão. Desde o final dos anos 80, a crença de que a ameaça militar vinda da União Soviética havia sido muito reduzida intensificou a atenção às dimensões econômicas da identidade nacional.

Reproduzindo uma tradição cultural de definir e resolver problemas sociais em termos tecnológicos, os americanos se voltaram para a tecnologia e para a indústria, conduzida pela tecnologia, como agentes estratégicos para a recuperação nacional, em vez de reavaliarem e reestruturarem as formas institucionais mais diretamente. Desta perspectiva, outros ajustes sociais, tais como modular as relações entre governo, indústria e universidades, foram propostos e aceitos como necessários para se atingir a meta tecnológica. Ou seja, desenvolvimentos tecnológicos legitimaram políticas sociais necessárias para adaptar a sociedade aos desenvolvimentos.

O conceito de ‘produtividade’ ligou-se então, fortemente, ao fortalecimento da identidade nacional. Ou seja, a produtividade econômica agora servia como principal veículo para uma redefinição nacional, concedendo poder e autoridade a todos os indivíduos e grupos que, com sucesso, incorporassem em suas próprias identidades o lema nacional sobre níveis crescentes de produção com mais qualidade a preços competitivos. O entendimento cultural dos americanos de sua nação foi ligado aos seus entendimentos sobre produtividade, mudando o sentido de ambos ao mesmo tempo.

No contexto de crise nacional, as tecnologias CAD/CAM ganharam o agenciamento como ferramentas de produtividade e os vendedores de CAD/CAM passaram a vender produtividade. Por exemplo,  o principal vendedor em 1980, Computervision Corporation, publicou um livro de 300 páginas detalhando as ligações potenciais entre a tecnologia e o aumento da produtividade industrial. Este livro que se tornou muito popular começa com um aviso: “a produtividade americana está caindo”, e um anúncio do presidente do conselho dizendo: “uma nova tecnologia se apresenta a qual ... beneficiará a todos pela melhora dos padrões de vida da espécie humana e da qualidade de vida.”  “Esta tecnologia é a CAD/CAM.”, ele proclama, “e o benefício é aumentar a produtividade”. Desde então, os vendedores de CAD/CAM repetiram milhares de vezes a mensagem.

Considerando dados de vendas, a tecnologia CAD/CAM parece ter sido um enorme sucesso. Por exemplo, a principal firma pesquisadora de mercado reportou que entre 1985 e 1988 o número total de computadores, no mundo, usando CAD/CAM mecânico, que é a principal área de aplicação da engenharia, cresceu por uma fator superior a cinco (50.000 a 280.000 computadores). A companhia projeta que este número triplique em quatro anos. Claramente, algo significativo está ocorrendo.

Mas o foco do agenciamento nacionalista também mascara algumas importantes diferenças internas entre as tecnologias CAD/CAM. A tecnologia que prometia salvar a nação americana nos anos 80 era a integração entre o projeto assistido por computador  e a manufatura assistida por computador. Essa integração não aconteceu satisfatoriamente. Enquanto o movimento nacionalista era traduzido em buscas localizadas por produtividade, o sonho determinista da integração induzida pelo CAD/CAM perdia sua força retórica. Em vez disso, o desenvolvimento do CAD/CAM produziu tecnologias dotadas com agenciamentos relativos a diferentes tipos de usuários, nenhum dos quais estava orientado para unir projeto e manufatura. Eu acredito que a preocupação com a imagem de uma solução tecnológica unificada inibiu a atenção sobre algumas das questões mais difíceis levantadas pela atribuição de agenciamento às tecnologias CAD/CAM: as redistribuições de poder e identidade.

Ondas de novas atividades de projeto

Investigando sobre como as tecnologias CAD/CAM estruturam as atividades de projeto, eu identifiquei três diferentes ondas de desenvolvimento: (1) automação do desenho bidimensional; (2) wireframe tridimensional e modelagem de superfície; e (3) modelagem de sólidos. A grosso modo, estas ondas apareceram e cresceram em seqüência histórica, embora hoje elas sigam paralelamente. Nem todas organizações experimentaram as três, nem nessa seqüência necessariamente.

A primeira onda, automação do desenho bidimensional, desloca os desenhos de engenharia da prancheta para a tela. Engenheiros vêm o desenho como o processo de produzir desenhos detalhados de engenharia, os quais tipicamente representam partes de produtos em termos de vistas em duas dimensões, seguindo regras matemáticas da geometria descritiva. Por exemplo, um desenho de uma parte de uma máquina pode mostrar como ela aparece vista de cima, ou de frente, ou de lado. A automação do desenho foi construída sobre a imagem de um desenhista trabalhando numa prancheta, posicionando a tecnologia bidimensional como uma ´ferramenta de desenho´.

Para os desenhistas, projetistas, e engenheiros  que fazem desenhos de engenharia, a automação do processo de desenho significa substituir as réguas T, esquadros, compassos, curvas francesas, e lápis por dispositivos de entrada, como teclados e mouses, dispositivos de saída, como impressoras e plotters, manuais de software e hardware, e pequenas telas para projetar imagens. Desenhar pontos, linhas, círculos e curvas se torna manipular primitivas e atributos gráficos, combinando transformações e rotinas de controle programadas. De longe a maior proporção das atividades CAD/CAM pertence a essa categoria.

A automação do desenho não está posicionada para atender ao movimento nacionalista da integração de projeto e manufatura, muito embora ela pode reduzir enormemente o tempo de tarefas repetitivas, tais como alterar desenhos. Uma vez que as tecnologias de desenho bidimensional incorporam apenas o agenciamento do desenho, sua implementação não reposiciona as atividades de projeto e manufatura. Ao contrário, a automação do desenho tende a reestruturar as relações apenas no lado projeto, entre desenhistas e engenheiros, em formas que dependem de posicionamentos locais. Por exemplo, tecnologias de desenho bidimensional podem fortalecer desenhistas permitindo-lhes se apropriar de algumas atividades dos engenheiros, mas podem também enfraquecê-los forçando-os a trabalhar noites e fins de semana e assim separando as atividades de desenho das atividades semanais regulares do pessoal de projeto. Finalmente, para os objetivos da CTA, a automação do desenho é a onda menos significativa do desenvolvimento CAD/CAM, porque deslocar o agenciamento do desenho para o computador não posiciona melhor os usuários para introduzir novas considerações de projeto.

A Segunda onda de desenvolvimento CAD/CAM, wireframe tridimensional e modelagem de superfície, transforma atividades de projeto de formas tais que se tornam possíveis novos critérios de projeto, inclusive modulação CTA. Chave para esta etapa é o deslocamento da transcrição do agenciamento do desenho para a transcrição da produção de modelos geométricos de objetos discretos em três dimensões. O que faz as representações gráficas em três dimensões tão significativas é que elas podem ser ligadas a outras atividades do processo de projeto além do desenho.

Uma representação wireframe constrói um objeto como uma coleção de linhas que descrevem as arestas do objeto. Um automóvel, por exemplo, seria representado por todas arestas de seus muitos componentes. Um modelo de superfície representa um objeto como um conjunto de superfícies curvas. Um automóvel seria representado por um conjunto de superfícies curvas, talvez com algum sombreamento para dar ao seu exterior um aspecto esculpido.

O principal benefício dos modelos 3D é que eles adicionam muita informação de engenharia à representação. Este acréscimo de diferentes tipos de informação é chamado “fazer análise”, o qual envolve caracterizar o objeto nas perspectivas de diferentes ciências. Por exemplo, com o wireframe, engenheiros podem ver o objeto de qualquer perspectiva e podem usar os dados (pontos e linhas) para calcular propriedades da massa dos objetos, por exemplo, volume, peso, centro de gravidade, momento de inércia (a medida de quão fácil é rodar o objeto em diferentes direções). Os dados também podem ser usados para investigar se um particular componente interfere um outro.

O modelo de superfície é muito mais complicado matematicamente porque para representar superfícies ele traduz os dados geométricos sobre pontos em equações diferenciais sobre curvas e depois combina as equações diferenciais. O modelo de superfície requer muito mais tempo de computador, e ele intercepta com um grande número de atividades de análise que se dão sobre as informações relativas às superfícies. Por exemplo, transferência de calor (como objetos respondem ao aquecimento ou esfriamento); cinemática (como partes que se movem interagem com as outras); e dinâmica dos fluidos (como o ar, a água e outros fluidos se comportam quando se movem) todos dependem de equações diferenciais representando superfícies.

Os modelos de superfície CAD/CAM provêm um local de julgamento comum para os diferentes grupos que produzem desenhos, cálculos, e outros que tomam decisões mais amplas de projeto. Concentrar essas atividades em um local pode provocar uma mistura de identidades diferentes. Por outro lado, reposicionar os agentes no projeto também rearranja as relações de poder, o que por sua vez implica em diferentes níveis de aceitação. Por exemplo, Kenneth Reinschmidt, um líder industrial, e principal conferencista num encontro anual de vendedores, argumentou com otimismo que ligar o desenho e a análise é “consistente com a tendência a estruturas organizacionais mais rasas e a gerência matricial”, a qual tenta reduzir a hierarquia dando mais independência e mais autoridade quanto a solução de problemas aos níveis subordinados. Mas ele acrescenta sem reconhecer a ironia que o processo típico de decisão para dar este passo “é caracterizado por um desejo de usar CAD/CAM para promover mudança” e “usar sistemas CAD/CAM para impor a estrutura de projeto no processo da engenharia ... pode implicar algumas funções controladoras ...”

Assim como com as tecnologias 2D, as tecnologias 3D e modelagem de superfície também não são capazes de integrar as atividades de projeto e manufatura. Ao contrário, pela concentração de atividades na fase inicial do processo de projeto, as tecnologias CAD/CAM estão posicionadas para aumentar a influência dos engenheiros projetistas no desenvolvimento de produtos. O poder do engenheiro projetista cresce com cada capacidade adicionada à imagem gráfica. Na mesma medida em que as atividades do desenvolvimento de produto se movem “rio acima”, a identidade e as atividades do projeto estendem-se “rio abaixo” sobre outras áreas.

A terceira onda de desenvolvimento CAD/CAM foi uma onda muito menor de novas atividades de projeto. Um modelo de um sólido representa o objeto como um sólido usando um dentre dois métodos. O primeiro é chamado “geometria sólida construtivista”, a qual constrói modelos pelo acréscimo e subtração de formas sólidas primitivas, tais como esferas, cubos e sólidos retangulares. O modelo de um automóvel, por exemplo, seria  representado por um monte de esferas e cubos. O segundo método, “representação de fronteira”,  produz uma superfície combinando os modelos de superfície de forma a produzir um volume fechado. Neste caso, o modelo de um automóvel poderia ser decomposto em seus muitos componentes, cada qual representado como um volume fechado.

Modelos de sólidos são muito úteis para assegurar que as partes do produto tenham espaço suficiente após terem sido projetadas, isto é o teste de interferência. Entretanto, modelos de sólidos não incorporam extensivamente as atividades de projeto ou manufatura. Pelo lado do projeto, é muito difícil modificar as representações geométricas nos modelo sólidos a partir dos resultados das análises. Pelo lado da manufatura, os engenheiros que usam o computador geralmente procuram ajuda para monitorar, controlar e suportar os processos da manufatura, que envolve relacionar os objetos aos ambientes mutáveis da manufatura, e não apenas visualizá-los e manipulá-los. Portanto, uma vez que modelos de sólidos não têm sido muito úteis nem no projeto, nem na manufatura, eles são candidatos fracos à modulação CTA.

CAD/CAM e projeto de produto

Engenheiros projetistas entendem “síntese de projeto” como o processo de conduzir simultaneamente diferentes formas de análise de um projeto proposto. Embora já houvesse a síntese de projeto antes do desenvolvimento CAD/CAM, as capacidades da modelagem de superfície tridimensional têm lhe dado maior proeminência. Síntese de projeto tem sua mais longa e envolvida história na indústria aeronáutica, principalmente por conta da próxima relação entre a forma geométrica da aeronave e sua performance em diferentes categorias da análise aeronáutica. Como o engenheiro projetista Richard Boyles disse: “A influência da definição geométrica da aeronave sobre a análise conduzida para avaliar sua performance, e, inversamente, a influência da análise sobre a geometria da aeronave são tão grandes que a interação entre o homem, a interface gráfica, e a capacidade analítica do computador são maximizadas.” Em conseqüência, o projeto de aeronaves pode prover um bom local para se testar o uso de CAD/CAM para dirigir o desenvolvimento tecnológico. No mínimo, o projeto de aeronaves oferece  casos bem desenvolvidos para a identificação de oportunidades, estratégias e implicações da CTA.

Considere a negociação do ACSYNT , um programa de computador para o projeto conceitual de aeronaves. ACSYNT, que significa Aircraft Synthesis,  escrito ao longo de um período de mais 20 anos por engenheiros do laboratório de pesquisa AMES da NASA. Durante a segunda metade da década de 60, várias companhias aéreas, incluindo Boeing, Grumman Aerospace, Lockheed Califórnia, McDonnel Aircraft, e North American Rockwell, desenvolveram seus próprios programas de síntese para auxílio nas etapas iniciais do projeto. Estes programas e seus sucessores, no entanto, são proprietários e não estão abertos ao escrutínio público. Não apenas é o ACSYNT mais disponível, mas seu desenvolvimento se tornou o objeto de um empreendimento cooperativo envolvendo a NASA, cinco companhias aéreas (Boeing, Lockheed, McDonell Douglas, General Eletric Aircraft Engines, e Northrop), e pesquisadores de CAD/CAM de Virgínia. Pela observação e participação nas atividades deste empreendimento, o Instituto ACSYNT, eu adquiri um entendimento razoavelmente detalhado do programa e dos grupos a ele ligados.

As responsabilidades estatutárias da NASA em aerodinâmica incluem o exame de tecnologias aeronáuticas avançadas e a avaliação de projetos propostos de aeronaves militares que os contratantes submetem ao Ministério da Defesa. Os times de avaliação da NASA são minúsculos comparados aos dos contratantes. Os engenheiros da AMES inicialmente produziram o ACSYNT durante os anos 70 como um recurso que lhes desse maior independência e controle para examinar tecnologias e comparar propostas.

Os engenheiros entendem o ACSYNT como um exercício de “projeto conceitual”, uma fase das atividades de projeto que se estabilizou na indústria aeronáutica após a segunda guerra mundial juntamente com o “projeto preliminar” e o “projeto detalhado”. O projeto conceitual especifica a configuração geométrica inicial da aeronave, tamanho, peso e características de performance. Durante esta fase os engenheiros consideram uma faixa de concepções alternativas muito mais amplas do que em qualquer outra fase do desenvolvimento da aeronave. Na indústria aeronáutica, os grupos responsáveis pelo projeto conceitual são tipicamente pequenos e não têm muito poder e nem têm um papel importante nas decisões sobre a construção de aeronaves.

Os líderes dos grupos de projeto preliminar tradicionalmente têm mantido o maior poder sobre a configuração de um projeto. Assim como tanto as companhias aéreas como os engenheiros da NASA me explicaram em entrevistas, as companhias subdividem as atividades do projeto preliminar segundo as principais disciplinas da engenharia aeronáutica, tais como aerodinâmica, propulsão, e estruturas, e segundo uma combinação de considerações específicas à organização. Cada área disciplinar pode agrupar centenas de engenheiros. Partindo de um pequeno número de conceitos alternativos, cada área realiza análises de performances esperadas da aeronave, em cada área e então negociam um estreitamento de alternativas até chegarem a um projeto viável que os líderes dos grupos achem aceitável.

Quando o desenvolvimento chega à fase do projeto detalhado, o projeto já está solidamente estabelecido (entrincheirado), e portanto, muito difícil de ser alterado. Os engenheiros regularmente brincam sobre a construção de um “momento” por detrás do projeto. As atividades nesta fase provêm especificações detalhadas de todos os componentes, plano e cronograma das atividades de construção, e especificação das relações com os contratantes. As avaliações do projeto saem das simulações computacionais para trabalhos experimentais e testes em túneis de vento com protótipos.

O Instituto ACSYNT inclui de 15 a 20 participantes da indústria, sendo que todos os engenheiros trabalham no projeto conceitual. O principal objetivo desses engenheiros, tanto individual como coletivamente, é aumentar a influência do projeto conceitual nas decisões das companhias trazendo para o projeto conceitual alguma das funções (isto é, os agenciamentos) do projeto preliminar. Conforme um engenheiro disse num encontro do grupo ACSYNT: “Nós estamos tentando fazer com o computador aquilo que não podemos fazer com nossas organizações.”

Os projetistas conceituais estavam particularmente interessados no ACSYNT porque em 1987-88 os pesquisadores CAD/CAM da Virgínia escreveram um modelador de superfícies e o ligaram às funções de análise do programa. Com esta interface ou front-end CAD/CAM, o projetista conceitual pode entrar com uma configuração geométrica, perguntar quais acréscimos, ou mudanças, são necessárias para o veículo atender alguns dos requerimentos especificados e então ver na tela uma imagem tridimensional da aeronave. Antes de terem acesso a visualização CAD/CAM, os engenheiros tinham que analisar grandes quantidades de dados geométricos provenientes de cada execução do computador para desenhar uma representação visual manualmente. Os participantes do Instituto ACSYNT acreditavam que a capacidade de analisar e visualizar rapidamente projetos alternativos lhes concederia mais autoridade sobre as decisões.

O programa ACSYNT em si consiste de aproximadamente 50.000 linhas de comandos, ou código, que organiza os cálculos segundo disciplinas em módulos. Por exemplo, o módulo aerodinâmico determina a resistência (ao ar) mínima do veículo, enquanto o módulo da propulsão calcula a performance de diferentes tipos de motor, e o módulo trajetória usa dados dos módulos aerodinâmico e da propulsão para calcular o peso do combustível necessário durante cada fase de missões específicas. Outros módulos incluem geometria, pesos, estabilidade, decolagem, custo, métodos aéreos avançados, e estrondo sônico. Cada módulo consiste de rotinas matemáticas detalhadas cujas saídas variam segundo um conjunto limitado de variáveis de entrada, ou parâmetros.

O programa ACSYNT transforma uma configuração geométrica inicial conduzindo e sintetizando várias formas diferentes de análise. O processo de síntese transforma o projeto em três etapas: convergência, otimização e sensibilidade. Eu descrevo essas etapas brevemente tanto para mostrar que elas constituem novos métodos matemáticos para as decisões de projeto, como para estar apto a ilustrar as dificuldades práticas levantadas pela tentativa de minimizar o estrondo sônico no Transporte Civil de Alta Velocidade.

Convergência se refere a produção de um projeto alvo (point design), que é uma configuração geométrica e um cálculo do peso bruto total, a qual atende a todos os requerimentos que o usuário informa de início.  Garret Vanderplaats, ao tempo um engenheiro da NASA pesadamente envolvido com o desenvolvimento ACSYNT, aplicou o ACSYNT a um “típico problema de projeto”. O objetivo neste problema incluía estimar o peso bruto ótimo de um caça tático para voar uma missão especificada, e calcular os efeitos de uma redução do peso bruto pelo uso de materiais mais avançados poderia ter na performance do veículo. Significativamente, uma limitação do ACSYNT é que ele é apenas capaz de analisar configurações de aeronaves cuja geometria esteja dentro das fronteiras que definem caças, bombardeiros e aviões de transporte convencionais. No caso de Vandeplaats, por exemplo, é predeterminado que o veículo terá uma cauda de asa convencional, o que significa abandonar geometrias extravagantes. Caso contrário, o projeto cairia fora dos envelopes da experiência e teoria que definem as rotinas de análise. Também este caso inclui apenas cinco variáveis de projeto: 1) wing loading, o peso por unidade de área da asa; 2) sweep, o ângulo entre a asa e a fuselagem; 3) Thickness-to-chord ratio, a espessura da asa relativa a sua largura média; 4) aspect ratio, o comprimento de ponta a ponta da asa relativa a sua largura média; e 5) engine thrust, o impulso por unidade do peso total.

Obter a convergência é complicado porque isso envolve necessariamente um raciocínio circular e depende de experiência prévia. As duas maiores parcelas do peso bruto são os pesos combinados dos principais componentes e do combustível. Para calcular a quantidade de combustível  necessária é preciso analisar a performance do veículo ao longo da trajetória para a qual ele é planejado (por exemplo, quanto impulso é necessário). Mas para calcular como o veículo desempenhará em sua trajetória depende de saber o peso bruto antes. Além disso, os pesos dos vários componentes (fuselagem, asas, etc.) são calculados como frações do peso bruto, de tal forma os cálculos dos pesos dos componentes também dependem de saber o peso bruto antes. Como resultado dessa circularidade, para calcular o peso bruto de uma particular configuração geométrica que atenda a todos os requisitos, é necessário começar por estimá-la. O programa então atribui valores para os pesos dos componentes e do combustível, usa esses para calcular como o veículo desempenha, modifica a geometria para atender aos requisitos de projeto, recalcula o peso baseado na nova geometria, e então modifica o peso estimado para começar tudo de novo. O processo iterativo continua até que os valores calculado e estimado do peso bruto não difiram por mais de um centésimo de um por cento.

Embora os proponentes do ACSYNT aleguem que este nível de tolerância é bom e suficiente. Ele não tem significado particular algum para os projetistas. Eles têm de simplesmente aceitar que a matemática da convergência o exige. No caso do caça tático, chegar a uma configuração geométrica que atendesse a todas especificações, isto é, o “projeto alvo convergido” foi obtido com 22 iterações e 40 segundos de tempo de computador.

A Segunda transformação, otimização, começa com o projeto alvo e então redimensiona o veículo e seu sistema de propulsão no objetivo de chegar à configuração geométrica que atenda às especificações e tenha peso total mínimo. Como veremos em seguida, o veículo pode ser alterado para minimizar ou maximizar outros parâmetros, incluindo talvez considerações CTA. Para os projetistas de aeronaves, a otimização envolve uma matemática ainda mais opaca que a dos cálculos da convergência. Além disso, existem muitos métodos competidores e o campo dos estudos de otimização parece estar mudando rapidamente.

O ACSYNT usa o método das direções viáveis, mas ninguém no instituto domina o método. Ao contrário, quase todos invocam, tanto oralmente como textualmente, a autoridade de Garret Vanderplaats que adotou o método de um matemático holandês (G. Zoutendijk). Vanderplaats se refere ao trabalho de Zoutendijk sem apresentar algum de seus detalhes. Métodos de otimização são necessários porque não se pode otimizar um projeto variando um parâmetro de cada vez. Parâmetros precisam ser variados simultaneamente, embora fazendo isso o processo se torna opaco às intuições baseadas em métodos gráficos.

Na verdade, como Vanderplaats explicitamente reconhece, a estratégia de otimização mais eficiente desafia diretamente as práticas de projeto padrões. Ao transformar um projeto alvo aceitável num projeto otimizado, o método das direções viáveis autoriza movimentos por etapas intermediárias que não convergem, isto é que não atendem as especificações do projeto. Ou seja, em vez de mover etapa após etapa de uma configuração aceitável para uma configuração otimizada, a otimização rotineiramente se move através de configurações inaceitáveis antes de alcançar uma configuração ótima. Isto não faz sentido algum para os projetistas que são sempre obedientes às restrições iniciais. Segundo Vanderplaats, “este procedimento de projeto, usando otimização numérica, representa um grande deslocamento dos procedimentos tradicionais do projeto conceitual.” No exemplo do caça, Vanderplaats chegou à configuração de peso mínimo com 102 iterações através dos módulos disciplinares e aproximadamente três minutos de tempo de computador.

Em suma, integrar métodos de otimização tais como o ACSYNT com as atividades do projeto conceitual significa atribuir autoridade à matemática da otimização e aos matemáticos. Ao tempo da elaboração deste artigo apenas uma companhia usava o ACSYNT em atividades de projeto rotineiras, tendo o integrado muito ante que a interface CAD/CAM estivesse completa. Num encontro no Instituto em maio de 1991,engenheiros da Ames e estudantes graduados da Virginia começaram a treinar engenheiros industriais a usá-lo com a interface.

Por outro lado, o reposicionamento do projeto conceitual pode também trazer com ele uma reorganização das relações com os grupos e atividades, bem estabelecidas, dos projetos preliminar e detalhado. Uma companhia membro do Instituto ACSYNT investiu dezenas de milhares de dólares para desmistificar a matemática providenciando documentação para cada cálculo matemático nas 50000 linhas de código do ACSYNT. No entanto, uma aceitação mais ampla do ACSYNT pelos projetistas conceituais poderia situá-los em confronto direto com membros dos grupos do projeto preliminar. Em contraste, os projetistas conceituais da NASA-Ames precisavam se preocupar menos a respeito de suas relações com o projeto preliminar uma vez que o projeto preliminar é uma atividade inteiramente industrial. No entanto, conforme veremos, o fortalecimento do projeto conceitual também introduz ambigüidades para os projetistas conceituais dentro da NASA.

Uma preocupação adicional é que a matemática da otimização tende a exacerbar erros dentro de uma dada área de análise por trazer diferentes áreas de análise em relação com as outras. Vanderplaats, por exemplo, mostra verificando o ACSYNT face a outro programa de projeto de aeronaves que se o módulo trajetória subestimar o peso do combustível em 10 por cento a otimização capitaliza este erro e redimensiona o veículo reduzindo seu peso bruto total em 25 por cento. Reconhecendo que a credibilidade da síntese de projeto  é ameaçada pelos prospectos de erros se multiplicando para produzir conclusões inaceitáveis, Vanderplaats relembra insistentemente aos leitores que “todo esforço deve ser feito para assegurar precisão nos módulos disciplinares ou pelo menos para assegurar que o módulo informação seja levemente conservador.”

Mas como os projetistas conceituais vão saber quando sua informação disciplinar é conservadora se eles estão explorando novos conceitos de veículo. A resposta a esta questão é lembrar que a identidade do ACSYNT como um programa de computador é em si intrinsicamente conservadora: a faixa de variações que ele permite é radicalmente limitada pelo conhecimento disponível sobre projetos existentes e pelas escolhas entre métodos de análise que ele faz para cada área. A única forma de testar o  ACSYNT é usá-lo para predizer as características de aeronaves existentes. A documentação do ACSYNT alega, rotineiramente, sem suporte detalhado, que tais testes são consistentemente precisos dentro de 10 por cento, mas não há como testar sua confiabilidade para novos conceitos. Além disso, virtualmente, cada método de análise no ACSYNT representa uma escolha entre alternativas competidoras. Vanderplaats, por exemplo, mostra como seis diferentes equações disponíveis nas literaturas publicada e proprietária para o relacionamento entre o “aspect ratio” e o peso da asa contrastam significativamente uma com a outra. Cada companhia tem sua equação favorita, e escolher entre elas afeta diretamente os cálculos de otimização.

A terceira transformação, análise de sensibilidade, é muito mais significativa para os engenheiros projetistas porque ela traduz os resultados da otimização em formas gráficas que eles usam rotineiramente. A análise da sensibilidade sistematicamente varia  um parâmetro de projeto particular para determinar seus efeitos no peso bruto total. Mudanças em alguns parâmetros, tais como autonomia do veículo, podem ter efeitos dramáticos sobre o peso enquanto mudanças em outros, tais como o comprimento da cauda, podem ter um efeito mínimo.  Os resultados são plotados como uma série de curvas cuja interseção define a faixa de pesos totais possíveis. A análise de sensibilidade é uma estratégia para classificar considerações de projeto conforme quão sensível é o projeto a variações nas mesmas. Ela é, dentre as três atividades, a que consome mais tempo. Vanderplaats aponta que numa análise típica, de 20 a 30 horas de tempo de computador seriam provavelmente utilizados para determinar a sensibilidade do projeto a variações tanto na missão do projeto como na tecnologia usada.

Minimização do estrondo sônico como um critério de projeto

A minimização do estrondo sônico nunca foi uma consideração significativa no projeto de aeronaves. Considerações ambientais nunca fizeram parte do projeto de aeronaves supersônicas militares. Segundo um entrevistado da NASA, os projetistas do SR-71 (uma aeronave de reconhecimento cruzeiro supersônica, ou avião espião) “se preocuparam a respeito” porque por SR-71 precisava voar sobre terras americanas “mas eles não fizeram nada a respeito”. Além disso, todas as aeronaves comerciais americanas voam a velocidades subsônicas. A lei americana proíbe vôo comercial supersônico sobre solo americano com exceção para o inglês e francês Concorde. Entretanto, desde 1985, negociações entre a Casa Branca, a NASA, o Congresso e a indústria aeronáutica constituíram um programa de pesquisa para avaliar a viabilidade de uma aeronave comercial supersônica, o transporte civil de alta velocidade (HSCT).

Um esforço anterior de se construir um transporte comercial supersônico (SST) foi abandonado em 1971 após prolongada controvérsia. O “espaço controversial” para as decisões sobre o HSCT ainda não foi definido completamente, mas este espaço certamente inclui interpretações contemporâneas da controvérsia SST anterior. Um plano programa recente da NASA, por exemplo, explica que o esforço anterior falhou por conta de preocupações ambientais (incluindo o estrondo sônico), incertezas econômicas, e objeções ao desenvolvimento financiado pelo governo. Documentos do plano e entrevistas tipicamente extrapolam a partir da controvérsia SST acrescentando três novas considerações foram acrescentadas. Duas são preocupações ambientais adicionais: degradação da camada de ozônio e aumento do ruído aeroportuário. A degradação do ozônio surge como o principal obstáculo a ser superado. A terceira consideração é a motivação dominante para se construir o HSCT: o fervor nacionalista que estipula que “a nação não pode e não permitirá erosão da sua liderança aeronáutica”.

A política do escritório de ciência e tecnologia da Casa Branca inicialmente assumiu um agenciamento nacionalista como relação ao transporte supersônico proposto através de relatórios em 1985 e 1987 que definiram objetivos e estabeleceram os planos iniciais. Estas ações transferiram a responsabilidade para o Congresso, o qual se dirigiu a NASA em junho de 1987 para “preparar um desenvolvimento tecnológico plurianual e um plano de validação que ajudará aos Estados Unidos manter sua liderança na pesquisa tecnológica aeronáutica.” Cada relatório sublinhava a ameaça européia e japonesa à posição comercial dos Estados Unidos no mercado aeronáutico. Em março de 1988, a NASA produziu seu plano identificando o HSCT como necessário para servir ao mercado trans Pacífico, então, em rápido crescimento.

Antes de iniciar a execução do plano uma comissão do Senado reconheceu seu potencial de controvérsia e resolveu mapeá-lo patrocinando um workshop em Maio de 1988 através do Serviço de Pesquisa do Congresso. Contudo, o workshop proveu um fórum melhor para proponentes do que para oponentes pois ele incluiu dez participantes da indústria, três do governo, cinco das universidades, e um de um grupo de lobby ambiental. Os organizadores do workshop resumiram os principais temas em um extenso relatório em janeiro de 1989, após o qual o Congresso votou para suportar cinco anos de pesquisa e validação tecnológica. Mais do que 70 por cento deste suporte foi alocado a pesquisa relacionada ao ozônio, sendo a parte restante distribuída entre a pesquisa sobre ruído aeroportuário e o estrondo sônico.

Procurando integrar novas considerações ambientais ao projeto conceitual, o programa HSCT tem um problema de mesma natureza que o projeto normativo da CTA. A primeira vista, uma óbvia solução local seria integrar o agenciamento dos cálculos dos efeitos ambientais nas atividades baseadas no CAD/CAM durante a síntese do projeto, ou seja, simplesmente otimizar o projeto HSCT com relação aos efeitos à camada de ozônio, com relação ao ruído aeroportuário, e com relação ao estrondo sônico, e então, fazer alguns estudos de sensibilidade para minimizar os três ao mesmo tempo. No entanto, é improvável que este curso seja seguido, porque tal fortalecimento da “síntese de projeto” transformaria significativamente as identidades dos projetistas conceituais dentro da NASA.

O ACSYNT fornece a exceção que ilustra o problema. Os correntemente envolvidos com o ACSYNT no centro de pesquisa Ames e seus porta-vozes acrescentaram recentemente um novo módulo de análise que calcula estrondo sônicos. Da perspectiva aerodinâmica, o estrondo sônico é o produto de um distúrbio de pressão causado pelo vôo numa velocidade superior à do som. Quando a aeronave voa a velocidades supersônicas, o distúrbio se propaga por trás da aeronave interceptando com o chão para produzir uma ‘pegada’ dentro da qual as pessoas ouvirão o estrondo sônico. Os engenheiros aerodinâmicos descrevem o distúrbio de pressão com uma ‘onda N’, a qual consiste de um pronunciado aumento de pressão quando o choque inicial proveniente do nariz da aeronave chega, seguido por um decréscimo linear até uma pressão abaixo da normal, então um outro choque proveniente da traseira da aeronave que restabelece a pressão normal. A configuração geométrica da aeronave interfere significativamente na magnitude e forma da onda de pressão. Para projetistas de aeronaves, parece então possível identificar formas ondas de pressão aceitáveis e projetar configurações geométricas que as produzam.

É significativo que os engenheiros ACSYNT não tenham tentado acrescentar módulos de análise para cálculos dos efeitos sobre a camada de ozônio e sobre o ruído de decolagem. Em primeiro lugar porque tal atitude pareceria aos outros pesquisadores como uma estratégia para reestruturar as relações de poder na NASA. Os engenheiros do centro de pesquisa Langley da NASA eram responsáveis pela supervisão da pesquisa tendo se posicionado como advogados do HSCT por mais de uma década. Mas atribuir aos engenheiros do Langley controle completo sobre a pesquisa HSCT teria fortalecido ao Centro Langley às expensas de outros centros de pesquisa, Ames e Lewis, e transformado as relações igualitárias que são se haviam estabelecido entre eles.

Uma vez que o Centro de Pesquisa Ames havia desde muito se posicionado para fazer pesquisa em aerodinâmica, alguns grupos de pesquisa no Ames haviam conseguido fundos para pesquisa no estrondo sônico e em alguns problemas gerais de modelagem atmosférica. Ao mesmo tempo, a depleção do ozônio e o ruído de decolagem são ambos ligados ao projeto do motor, a arena tecnológica dentro da qual o Centro de Pesquisa Lewis havia se posicionado mas sem fazer uso significante da síntese de projeto. Para os especialistas em síntese no Ames obter aprovação formal para incluir o projeto do motor no ACSYNT indicaria que a direção da NASA teria decidido fortalecer o centre Ames às expensas dos centros Langley e Lewis, permitindo a síntese de projeto anexar território intelectual para além da aerodinâmica, e reconceituar o projeto do motor de acordo com métodos usados pelos engenheiros aerodinâmicos. Em outras palavras, incluir o projeto do motor no ACSYNT seria visto como uma tentativa dos especialistas em síntese do Ames de impor seu entendimento dos problemas de projeto sobre todos os demais, o que os posicionaria em formas paradoxais. Uma vez que tal movimento poderia reposicioná-los numa posição de poder na pesquisa HSCT, poderia também enfraquecê-los pela sugestão de que eles não eram bons cidadãos da NASA. O resultado seria mais provavelmente o encurtamento de suas carreiras do que eles auferirem mais recursos.

Além disso, pareceu pouco provável que a  modelagem dos efeitos sobre a camada de ozônio e o ruído de decolagem no ACSYNT produzisse resultados que relacionassem os parâmetros geométricos às análises, portanto também pareceu  pouco provável que essa modelagem contribuísse significativamente para o projeto conceitual da aeronave. Embora os cientistas atmosféricos houvessem estabilizado descrições químicas das reações através das quais as emissões do motor afetam o ozônio, para os engenheiros traduzir estas reações em critérios de projeto envolve inserir as equações químicas em modelos matemáticos altamente simplificados dos complexos sistemas atmosféricos. Julgar a confiabilidade destes modelos com vista ao projeto é impossível sem um corpo acumulado de experiência. O ruído de decolagem pode ser modelado mais confiavelmente, mas o código que o Centro de Pesquisa Lewis estava usando para modelá-lo sugere que a relação entre a geometria do motor e o ruído pode ser tão complexo que inclua cálculos de convergência e otimização que sejam demasiadamente lentos.

O estrondo sônico apresenta o melhor caso para os objetivos CTA, embora também ilustre porque usar a tecnologia CAD/CAM para dirigir o desenvolvimento tecnológico também requer ação política em suporte da matematização do projeto. Como se apresenta no momento, o módulo do estrondo sônico no ACSYNT não participa do processo de otimização. Este processo não permite traduzir uma onda de pressão aceitável numa configuração geométrica. O que pode ser feito é, após a determinação de uma configuração geométrica potencial que atenda a outras restrições, o usuário pode apenas calcular o tipo de onda de pressão que esta configuração produziria. Segundo um dos entrevistados, integrar o módulo do estrondo sônico no processo de otimização seria extremamente difícil  porque isto significa resolver “um dos mais complexos problemas de otimização que ainda não foi feito – otimização de forma.”

A primeira dificuldade em usar o volume do estrondo sônico como um critério de projeto reside fora do projeto: Qual é o volume tolerável? Após selecionar algum método para medir o ruído dentre mais de dez alternativas, os engenheiros projetistas precisam definir um padrão de aceitabilidade. Pesquisadores do centro Langley fizeram alguns testes de resposta humana e propuseram padrões de volume aceitável usando dbA, ou decibéis com peso A, os quais são calibrados de acordo com as variáveis sensibilidades auditivas a diferentes freqüências.. Um relatório da Boeing de 1988 usou três tais testes para identificar 72 dBA como o provavelmente mais alto volume aceitável. Entretanto os pesquisadores estão conscientes de que uma nova controvérsia pública sobre o HSCT poderia afetar significativamente como diferentes grupos locais podem atribuir a aceitabilidade. Quatro variáveis na forma da onda de pressão contribuem para o volume percebido do estrondo sônico, três das quais podem ser traduzidas em variáveis de projeto para a configuração geométrica da aeronave. Diferentes combinações dessas variáveis podem produzir o mesmo nível de decibéis e serem avaliadas como igualmente altas. “A pressão máxima excedente” é o nível mais alto de pressão excedente produzido pela onda, o qual está ligado ao peso bruto da aeronave. Para manter o estrondo sônico abaixo de 72 dbA apenas pela redução da pressão máxima excedente exigiria provavelmente que ela não fosse maior do que 1.3 psf (pounds por pé quadrado). No entanto um relatório da Boeing argumenta que para qualquer transporte comercial grande não é realístico pensar em menos de 2.0 psf. O Concorde, por exemplo, produz uma pressão máxima excedente inaceitável entre 2 e 3 psf.

Uma vez que reduzir o peso da aeronave está fora de questão, os projetistas se voltam, então, para as relações entre o “tempo de levantamento” , tempo que a aeronave leva para atingir a pressão máxima excedente; e “pressão excedente inicial”, ou a pressão causada pelo nariz da aeronave. Reduzindo a pressão excedente inicial e aumentando o tempo de levantamento pode se obter uma onda cuja pressão máxima excedente se comporte como uma onda N de pressão muito mais baixa.

Embora a onda de pressão desejada possa ser traduzida num projeto alvo, é muito difícil transformar esse projeto alvo numa descrição geométrica otimizada. Isto porque a forma geométrica da aeronave afeta a onda de pressão de duas formas. A primeira é através de seu volume: uma aeronave magra produz menos estrondo do que uma aeronave gorda. A segunda é pela distribuição da área de sustentação, ou área da superfície de baixo: uma aeronave cuja área da superfície de baixo seja uniformemente distribuída do nariz a cauda produz menos estrondo do que uma cuja área da superfície seja concentrada sobre uma pequena porção da fuselagem. A onda de pressão desejada pode ser traduzida numa combinação de volume mais área de sustentação que pode ser usada para identificar um projeto alvo. No entanto, otimizar uma configuração envolveria separar essas duas variáveis aerodinâmicas, correlacionando cada uma delas com as variáveis geométricas que descrevem os componentes da aeronave (asas, cauda, fuselagem, etc.), parta então relacioná-las de novo. Este problema empurra o campo da otimização de projeto para seus limites correntes. O relatório da Boeing aponta para este problema lamentando: “Neste ponto o processo de projeto se torna difícil ... porque há um grande número de possibilidades e há muito poucas ferramentas de projeto disponíveis para ajudar no processo”.

Na ausência de um novo agente tecnológico que pudesse aceitar a responsabilidade pelas decisões de projeto (isto é, otimização), os responsáveis pelas decisões adotaram estratégias diferentes, cada qual  procurando escolhas que relacionassem o que são com o que pretendem ser. Assim, os engenheiros da Boeing ofereceram uma solução conservadora: eles simplesmente selecionaram uma configuração muito convencional sobre a qual experimentam pequenas variações de forma a reduzir o estrondo sônico. Desta forma, eles puderam se posicionar como líderes de um projeto promissor com um mínimo de riscos financeiros para sua companhia. Já na NASA, os engenheiros se dividem. Uma parte endossa a estratégia da indústria, posicionando assim a NASA como uma parceira de pesquisa da indústria e assim assegurando sua futura estabilidade. Outra parte advoga um conceito mais radical: asas oblíquas que voem segundo um ângulo com o fluxo de ar e não perpendicular a ele, distribuindo a sustentação uniformemente do nariz (uma ponta da asa) a cauda (a outra ponta da asa). Muito mais arriscada, essa escolha reproduz a identidade dominante na NASA em anos passados como produtora de novas idéias e tecnologia através de trabalho científico avançado.

Conclusão

O exemplo HSCT/ACSYNT fornece algumas idéias claras tanto sobre as oportunidades de dirigir a tecnologia através de CAD, como sobre as prováveis formas de resistência que tais tentativas podem encontrar. Usar CAD/CAM para realizar os objetivos CTA parece atrativo porque essa tecnologia pode ser aplicada nas fases iniciais do processo de projeto de produtos. No entanto, mesmo que as principais características de um produto não estejam ainda estabilizadas, o conjunto e a faixa dos critérios aceitáveis para as decisões, tipicamente, estão solidamente estabelecidos, porque as atividades e os grupos de projeto estão estabelecidos. Usar CAD/CAM como um veículo para introduzir novos agenciamentos nas decisões de projeto parece permitir a introdução sistemática de alguns novos critérios, mas desde que acompanhada pela reestruturação das atividades e dos  grupos de projeto locais. Tecnologias CAD/CAM chegam não como uma solução  tecnológica utópica, mas como ondas de novas atividades de projeto.

É importante lembrar que as tecnologias CAD/CAM possuem o agenciamento de afetar as decisões de projeto principalmente quando elas oferecem transcrições reversíveis entre os modelos geométricos dos objetos e as formas de análise da engenharia (simulação). A primeira onda de desenvolvimento CAD/CAM, automação de desenho, reorganiza as atividades de desenho bidimensional, mas não as decisões de projeto. A terceira onda, modelagem de sólidos, não capta atividades nem do projeto, nem da manufatura. Apenas na Segunda onda, wireframe 3D e modelagem de superfície, a tecnologia oferece transcrições reversíveis que reestruturam as tomadas de decisão e permitem a introdução de novos objetivos de projeto.

No entanto, mesmo o wireframe e a modelagem de superfície podem ser aplicados apenas a um subconjunto dos objetivos CTA. Minimizar os efeitos ambientais de aeronaves é um caso perfeito para uso de CAD/CAM para modular decisões que afetam o conteúdo de produtos industriais. Mas a modelagem geométrica não se presta para formular estratégias para maximizar os níveis de emprego ou a qualidade do trabalho, objetivos que são mais pertinentes à manufatura do que ao projeto.

O exemplo do ACSYNT/ estrondo sônico mostra que embora o agenciamento do 3D CAD/CAM pareça relevante para os objetivos CTA, esta estratégia pode encontrar resistências, sob duas formas. Em primeiro lugar, a simples introdução de novas considerações de projeto introduz também um agenciamento não estabilizado nas tomadas de decisão. Os critérios de projeto para o estrondo sônico não se estabilizaram, nem os critérios para os efeitos sobre a camada de ozônio e para o ruído aeroportuário, uma vez que o espaço controversial do HSCT não foi ainda definido completamente. Qualquer tentativa de integrar um critério específico, tal como os 72 dBA da Boeing para o estrondo sônico, se torna um ato politicamente controverso. A única solução para os que representam o novo agenciamento é minimizar a saliência desse ato político pela consideração de critérios alternativos que sejam aceitáveis para os grupos participantes.

Em segundo lugar, transcrever o agenciamento de atividades de projeto nas tecnologias CAD/CAM redistribui, necessariamente, os agenciamentos dos atores humanos e não humanos existentes, e portanto, as relações de poder entre eles. Por exemplo, o uso da tecnologia CAD/CAM não apenas fortalece o projeto às custas da manufatura, como também redistribui os agenciamentos de engenheiros projetistas e desenhistas em formas que são altamente variáveis e, portanto, claras apenas ao nível local. Assim, atribuir novo agenciamento ao projeto conceitual através do ACSYNT pode enfraquecer os projetos preliminar e detalhado. Membros de Instituto ACSYNT sabem que algum dia eles não mais poderão caracterizar o ACSYNT como uma tecnologia voltada simplesmente para o projeto conceitual, mas então terão que confrontar o projeto preliminar diretamente.

O uso das tecnologias 3D para síntese de projeto e otimização é provavelmente mais aceitável quando aplicada a produtos tecnológicos complexos, tais como aeronaves, automóveis e navios. O projeto de tais produtos envolve análises de uma variedade ampla de disciplinas de engenharia. Uma ocorrência muito mais comum, especialmente em  firmas pequenas e produtos menos complexos, é a limitação do escopo a duas ou três disciplinas da engenharia, sem qualquer tentativa de otimizações matemáticas. Uma companhia pode focalizar, por exemplo, em escoamento de fluidos, transferência de calor, ou análise de esforço. Embora a seqüência de etapas de projeto pode ser alterada pelo CAD/CAM, os critérios de tomada de decisão são, nesses casos,  mais estáveis e menos suscetíveis à mudança. Em tais casos a segunda onda CAD/CAM está fazendo algumas incursões através do chamado “projeto paramétrico”, que significa correlacionar a geometria com um parâmetro de cada vez. Nesta linha de ação, integrar objetivos CTA exigiria  convencer engenheiros a usar novos programas de projeto paramétrico. A ligação cultural forte entre CAD/CAM e a identidade nacional pode viabilizar esse projeto.

A principal lição deste caso é que atingir qualquer objetivo CTA, seja através do agenciamento de uma tecnologia ou não, exige estratégias altamente localizadas. Identificar tais estratégias exige uma teoria da aceitação. O conceito de identidade posicional sugere a pergunta: De que forma a introdução do novo agenciamento redistribui os agenciamentos dos participantes, incluindo o agenciamento da CTA? Em outras palavras, o conceito de identidade posicional nos facilita reconhecer os diversos agenciamentos da tecnologia e de outros atores não humanos sem assumir que tais agenciamentos sempre incluam um desejo de expandir poder e controle. O conceito nos sugere investigar não apenas o que são os atores, mas também o que eles procuram ser, para identificar estratégias que não movimentem os atores para posições indesejadas. Em resumo, a aceitação de estratégias CTA não precisa tomar a forma da aceitação da identidade política CTA, como se todos tivessem de ter a mesma política. Ao contrário, o movimento CTA pode ser tão diverso quanto a faixa de identidades que pode achar em CTA oportunidades de obter posições localmente desejáveis.